Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

linhagens a conglomerados pouco homogêneos, unidos somente pela he-
rança de particularidades de costumes e por uma vaga tradição ances·
traI." E: realmente assim a aparência dos grupos principais, cuja ausência
de nome clânlco suplementar sugere que são antigos clãs transformados
em unidades políticas e territoriais, primeiramente por influência de
chefes empreendedores, e depois pela hegemonia de uma familla princl·
paI. Tal foi, aproximadamente, a evolução dos incas no Peru. Teríamos,
portanto, uma organização clânlca arcaica, hoje em dia quase inteira·
mente apagada, exceto entre os camponeses. Alguns dos clãs dessa orga·
nlzação primitiva teriam evoluído e continuariam a evoluir, em linhagens
que deixavam subsistir atrás delas o esquema de uma estrutura primi·
tiva, os cinco grupos principais. Finalmente, essas linhagens projetam
continuamente diante de si novas formações, senhorias, casas e famllias.


O ponto essencial, segundo nosso modo de ver, é que o sistema do
casamento funciona em todas as etapas desta complexa realidade. "As
cinco tribos subdivldem·se por sua vez em ramos principais e ramüica·
ções secundárias... todas estas famllias estão intercaladas cada uma
delas entre duas outras, sem nunca se confundirem. Vivem separada·
mente em gurpos dispersos em aldeias diferentes, cada qual com seu
território."' Estas afirmações são provavelmente excessivas. No entanto
põem em evidência a articulação de todos os elementos do grupo social
em um ciclo, ou uma série de ciclos, de casamentos. O ciclo fundamental
forma·se em torno dos cinco grupos principais. Os Maripe tomam mulher
entre os Maran, estes entre os Nkhum, estes últimos entre os Laphai,
os Laphai entre os Lathong e os Lathong entre os Maripe." SegundO
dizem os bardos (jaiwa niJ, esta distribuição remontaria aos filhos de
Washet Wa Makam, que foram os primeiros chefes das cinco "tribos".
[Trata·se incontestavelmente de um modelo, cuja coincidência com a rea·
lidade empírica nunca pode ser senão parcial e precária. Mas todas as
citações dos autores antigos, aqui reunidas, mostram que tiveram per·
feitamente consciência deste caráter. Leach apenas retoma o testemunho
deles quando declara: "Os próprios Katchin indubitavelmente tendem a
pensar que sua sociedade total compõe-se de cerca de sete ou oito grupos
principais deste tipo [clã] ... Os primeiros cinco destes ... geralmente
considerados como sendo de posição superior e... reconhecidos em toda
a área montanhosa dos Katchin" (Leach, 1954, p. 128 e nota 34)] [em
inglês no original - N. do T.].



  1. Estas clientelas, que às vezes lembram a instituição incaica dos "yanakona",
    provavelmente são do mesmo tipo que as descritas por Shakespear sob o nOme de
    "boi", Entre os lushais, só um chefe pode ter boi, que se dividem em várias ca-
    tegorias, a saber, os que vieram refugiar·se junto ao chefe, impelidos pela fome
    e pela necessidade, os criminosos perseguidos, que trocam a liberdade pessoal e
    a de seus filhos pela proteção do chefe e, finalmente. os desertores de facções
    inimigas. Conforme 8 categoria a que pertence o bm pode ou não comprar sua
    liberdade, e a posição de seus filhos é livre, ou conforme 8 SU8. Não é raro, diz
    Shakespear, que um jovem inteligente se eleve de boi ao estado de conselheiro
    privado do chefe. Um boi favorito pode ser adotado (Shakespear, p. 46-49), Pensa-
    mos nessas "clientelas feudo-famiUares" que contribuíram para formar, segundo Granet,
    os sing da China antiga (Granet, Catégories, p. 122>, e na unidade social fundamental
    dos sema nagas, o "solar" fundado sobre a relação entre o "chefe" (= pai) e seus
    "órfãos", que ele alimenta e casa (Hotton. Sema Naga, p. 1445s).

  2. Ch. GUhodes, p. 14l..
    3S. Carrapiet, p. 32. Gllhodes, p. 207. Hertz, citado por Hodson (1925>, p. 93.
    Hodson, p. 166.


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