Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1
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dizer que o filho da irmã possui um privilégio sobre a filha do irmão,
mas que um filho de irmão não pOderia casar-se com uma filha de irmã,'
Noutras palavras, o casamento faz-se sempre com a prima cruzada ma-
trilateral e nunca com a prima cruzada patrilateral. Este traço é também
observado por Czaplicka. ' Mas a relação considerada continua sendo uma
relação global entre os clãs e não uma relação de parentesco entre os
eventuais cônjuges. "É preciso prestar particular atenção ao fato notável
das normas sexuais que regulamentam as relações entre os filhos de um
irmão (verdadeiro ou classificatório) e de uma irmã (verdadeira ou elas-
sificatória) não se aplicarem somente a esses filhos. que são primos entre
si. mas aos dois clãs considerados em sua totalidade. Os direitos e as
proibições que se aplicam aos filhos de uma "irmã" e de um "irmão"
estendem-se a todas as gerações dos dois clãs, clã do irmão e clã do
marido da irmã. Basta, pois, que uma mulher vá casar-se em determi-
nado clã para que todas as mulheres desse clã tornem·se proibidas para
os homens de seu próprio clã"." Mas o sistema não tem somente um
resultado negativo. "O número dos clãs proibidos para o clã A aumenta
com o número de clãs cujos melnbros tomam mulheres em A. Mas com
cada novo clã, no qual os membros do clã A vão procurar por sua vez
suas mulheres, um novo lote de mulheres potenciais (angey = esposas)
acrescenta·se aos clãs que já são os axmalk do clã A". , .. É esta multi·
plicação que põe em risco a cada momento "imobilizar", se assim se
pode dizer, o mecanismo complexo de trocas adiadas, que têm todos
os ciclos particulares solidários. Assim, e como assinalamos há pouco,
uma convenção limita a duas gerações consecutivas a regra assimétrica
da exogamia que, sendo dados dois clãs aliados, proibe um deles de
tomar suas mulheres (porque deve dar suas filhas) e o outro de dar
as filhas (porque já dá os maridos). Após duas gerações, a regra é abo·
lida, e o ciclo pode então ser invertido ou interrompido. No interior
do clã, ou melhor, da linhagem, há, além disso, uma classificação hierár·
quica por gerações. Os homens da geração do pai são classificados como
nerkum cvax. Os da segunda geração ascendente, como mesvax, da ter-
ceira cesvax, da quarta nisvax, da quinta tosvax. Os homens de minha
geração são meus tuvn, e os da geração de meus filhos, nexlunkun CVa.I. "
Entre os Gilyak encontramos, pois, uma regra de exogamia limitada
a duas gerações, e este limite toma seu sentido num sistema de troca
generalizada com casamento com a filha do irmão da mãe, não sendo
inteligível senão por meio dele. Ora, numa área muito vasta, que abrange,
na verdade, todo o Extremo Oriente, conhece·se uma regra do mesmo
tipo, se bem que a duração prescrita varie, sendo de três gerações da
Indonésia, 1~ quatro ou cinco em Assam," cinco na China dos Sang,"
cinco, sete e nove nas diversas regiões da Sibéria. 1:. Há, pelo menos,


  1. Id., p. 63.

  2. M. A. Czaplicka, Aboriginal Siberia; a Study in Social Anthropology, Oxford 1914,
    p. 99.

  3. Sternberg, op. cit., p. 63-64.
    lO. Id., p. 65.

  4. Id., p. 18·19.

  5. Cf. p. 530.
    13. Cf. capo XVII, p. 332-333.
    14. Cf. capo XIX.
    15. Cf. capo XXIII.


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