Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1
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seu próprio desenvolvimento histórico". P Embora dificilmente se possa
negar a Kroeber o caráter originariamente "c1assificatório" do sistema
reduzido aos termos elementares, devemos contudo indagar, de acordo
com Fêng, em que consiste a originalidade da evolução que conduziu
ao sistema atual. Conforme diz muito bem aquele autor "a estrutura
arquitetônica do sistema chinês funda-se em um duplo princípio, a dife_
renciação em linha direta e colateral, de um lado, e a estratificação das
gerações, de outro. A primeira linha de segmentação é vertical, a se-
gunda, horizontal. Graças à interação desses dois princípios cada parente
recebe um lugar fixo na estrutura do sistema global". ,.0 Granet emprega
quase exatamente os mesmos termos. "Todo próximo é designado por
(uma palavra ou) uma expressão que assinala o lugar por ele ocupado
no quadro, isto é, na maioria das vezes por um binômio que lembra
as duas coordenadas que determinam este lugar, a saber, a geração (andar,
horizontal) e a linhagem (coluna, vertical)"." Um fato notável, ao qual
teremos de voltar, é que esta descrição - que se superpõe tão exata-
tamente à fórmula de Fêng - aplica-se em Granet não ao sistema de
parentesco propriamente dito mas ao quadro dos graus de luto.
Kroeber insistiu longamente sobre a riqueza e a exatidão do sis-
tema. Não está longe de considerá-lo como o mais perfeito que alguma
vez saiu da imaginação dos homens. Lembrando que Chen e Shryock
citam duzentos e setenta termos, e que esta lista poderia ser conside.
ravelmente alongada pela aplicação dos mesmos elementos a novas COm-
binações, acrescenta: "Sem dúvida, nem todos estes termos são de uso
corrente, mas todos, ao que parece, poderiam ser facilmente compreen·
didos. Seria ir demasiado longe dizer que a aparelhagem terminológica
chinesa· deve permitir a determinação inequívoca de toda variação con-
cebível de parentesco até o sétimo ou oitavo grau. Mas define certamente
uma fração muito mais vasta das possibilidades totais do que qualquer
sistema europeu". '" Morgan tinha igualmente observado que "o sistema
chinês teve êxito na difícil tarefa de manter um sistema de classificação
que confunde as distinções naturais entre as relações consangüíneas,
embora distinguindo estas relações umas das outras de maneira nítida e
precisa". '"
Com efeito, o sistema chinês, que permite exprimir com uma pre-
cisão quase matemática qualquer situação de parentesco, tem a apa-
rência de um sistema super determinado. Kroeber compreendeu bem que
a este respeito é aos sistemas europeus, de tendência tão marcada à
indeterminação, que convém opô-lo: "Nossa situação é a de um povo
cujo sistema numérico é tão defeituoso que quando tem necessidade de
somar ou multiplicar valores superiores a dez vê-se reduzido a manipular
um ábaco .... O sistema chinês, ao contrário, é "ao mesmo tempo inclusivo
e exato". Os chineses "elaboraram um sistema rico, enquanto o nosso foi
deliberadamente empobrecido..... Esta superdeterminação do sistema chi-
nês merece que o fflCaminemos atentamente, a fim de compreender a
natureza e a origem dele.


  1. Fêng, op. cit., p. 269.

  2. Granet, op. cit., p. 32.

  3. Kroeber, op. cit., p. 156.

  4. Morgan, op. cit., p. 413.

  5. Kroeber, op. cit., p. 156·157.
    10. Idem, p. 160.


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