Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

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A transferência terminológica tibetana deveria ter paralelos em outros
lugares, ao menos em forma de vestígios. Os Gilyak, pelo contrário, pra·
ticam a poliandria fraterna' sem atribuir na nomenclatura um lugar
particular ao irmão do pai. Na realidade uma outra hipótese explicaria
melhor o caráter considerado da terminologia tibetana, a saber, a passa·
gem de uma organização matrilinear à organízação patrilinear atual. No
primeiro caso, com efeito, é o tio matemo, e no segundo o tio paterno,
que ocupam na casa familiar o primeiro lugar ao lado do pai, e a trans·
ferência do mesmo nome de um a outro torna·se assim perfeitamente
clara. Esta evolução terminológica constitui, segundo nosso modo de ver,
o argumento mais poderoso em favor da existência antiga da filiação ma·
trilinear no Tibete.
O novo termo, introduzido para designar o irmão da mãe, shan, é
empregado em correlação com tsha. Assim shan·tsha, "filho da irmã", e
tSha·shan, "sobrinho e tio em linha materna". Esta última expressão
aparece em uma obra histórica com o sentido de "genro e cunhado".
Encontramos aqui uma equação familiar entre filho da irmã e marido
da filha, que sugere o casamento com a prima cruzada matrilateral, e
uma outra equação que é também, conforme vimos, uma constante do
sistema, entre irmão da mãe e irmão da mulher, O!I que não é de modo
algum necessário, conforme pensa Benedict apoiando·se em Fêng, inter·
pretar apelando para a tecnonímia. Este ponto já foi discutido.' Um outro
aspecto típico do casamento entre primos cruzados é o caráter esque·
lético da nomenclatura de aliança.
Entre' os termos secundários, skud (skud·po, cunhado, sogro) apre-
senta uni interesse especial. Benedict deriva·o de khu, irmão da mãe,
de onde SK,ud, "filhos do irmão da mãe com relação a ele". Com efeito,
um sobrinho que se casa com a filha do irmão de sua mãe vê o filho
deste último (skud) transformar·se em irmão da mulher.' Não é somente
o casamento preferencial com a filha do irmão da mãe que se encontra
em tibetano, mas também a estrutura social correspondente em linhagens
patrilineares e exogâmicas, conforme se depreende claramente do estudo,

Figura 69


  1. L. Sternberg, p. 107.

  2. Benedict, p. 322.

  3. Cf. p. 40155.

  4. Cf. p. 323·324,


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