Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

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que existe também, em forma vestigial, entre os mongóis e os turcos
da Rússia, 1 ~ que é comum na China,' ~ e finalmente que aparece na índia
desde o Mahabharata," temos de convir que devemos ao viajante ita-
liano o esclarecimento de uma noção absolutamente fundamental, que
pode servir de chave para toda tentativa de reconstrução dos sistemas
de parentesco em uma área geográfica de consideráveis dimensões, mas
onde sobrevivências amplamente difundidas sugerem uma homogeneida-
de antiga, que vemos, neste capitulo, reformar-se progressivamente diante
de nossos olhos.
É realmente nesta direção que Benedict também se orienta, compa-
rando o sistema tibetano ao sistema chinês arcaico que reconstitui com
base no Shih-ching (aproximadamente 800-600 aCl. Só conservaremos de
sua análise os quatro termos de que já nos ocupamos longamente, ku e
chih, chiu e shêng, que ele restabelece nas formas arcaicas com as se-
guintes conotações:

ko (ku)
t'iw.t (chih)
g'iôg (chiu)
s<mg (shêng)

irmã do pai, sogra;
filho do irmão (sendo a mulher que fala);
irmão da mãe, sogro;
filho da irmã (segundo o homem que fala).

Não somente os termos ko e g'i6g correspondem funcionalmente às
raízes tibeto-birmanesas + ku e + nt-+ nei, mas Benedict pode estabelecer
a afinidade direta do chinês arcaico g'iôg e do tibeto-birmanês ku. '" O
sistema chinês arcaico e o sistema tibetano não são portanto apenas es·
truturahi1<lnte análogos mas são lingüisticamente ligados.
A réconstrução de Benedict só apresenta um termo para os primos
cruzados, a saber, séng (shoeng), "filho do irmão da mãe, filho da irmã
do pai" (sendo o homem que fala), que o Ehr Ya define também "filho
da irmã". Lembramo-nos que Fêng considera esta interpretação tardia e
resultante de uma interpolação. Benedict apóia-se numa indicação de
Mêncio (que dá séng = genro) para mostrar que, ao contrário, séng é o
termo fundamental para "filho da irmã" (sendo o homem que fala), e
"genro" em relação recíproca com y'iôg, "irmão da mãe, sogro",'1
Temos um par simétrico de termos recíprocos, com ko, "irmã do pai".
e t'iw.t-d'iet, "filho do irmão" (sendo a mulher que fala). Ora, Benedict
faz derivar shêng de um verbo seng, "dar a vida, levar, produzir", en-
quanto o sentido primitivo de t'iw.t seria "sair", de onde "produzir, dar
nascimento"." Se compararmos estes termos com o Gilyak pandf, abran-
gendo os imgi e axmalk uns com relação aos outros, que é uma forma


  1. A. E. Hudson, Kazak Social Structure. Yale University Publications in Anthro-
    pology, n. 20, New Haven 1938, p. 18, 78, 84, 86. B. Vladimirtsov, Le Régime social
    des MongoIs, trad. Carsow, Paris 1948, p. 56ss.

  2. "Nos clãs exogâmicos chineses encontra-se a distinção tibetana entre parentes
    "da mesma carne" - isto é, pertencentes à familia da mulher - e parentes "do
    mesmo osso", isto é, da mesma classe de parentesco que o marido" <W. H. Me~hurst.
    Marriage, Affinity and Inheritance in China. Transactions of the Royal Asiahc So-
    ciety. China Branch, IV, p. 3; citado por Briffault, The Mothers, vaI. 1, p. 672. -
    Cf. também Hsu, 1945, op. cit.).

  3. Cf. capo XXIV.

  4. Benedict, op. cit., p. 333.

  5. H. Y. Fêng, op. cit., p. 171. Benedict, op. cit., p. 336.

  6. Benedict, p. 337.


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