Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

geralmente renunciaram a dar mesmo uma resposta tão completamente
negativa à preferência por uma ou outra das duas primas cruzadas.'
Ou, quandO o fizeram, sua explicação funda-se em considerações muitas
vezes extravagantes.
A senhorita McConnel sugeriu uma explicação geográfica e econômica,
para justificar a divergência entre os Wikmunkan de Kendall Hoeroyd,
na Austrália do Norte, que permitem uma outra prima unilateral, mas
nunca a prima bilateral, e que preferem a filha do irmão da mãe, e
seus vizinhos orientais Kandyu, que só toleram a filha da irmã do pai.
O vínculo com o clã materno seria mais estreito nas tribos instaladas na
fértil região costeira, onde os clãs são mais ou menos sedentários, ao
passo que a vida florestal dos Kandyu e seus hábitos de caçadores semi-
nômades acarretariam o enfraquecimento dos laços interclãnicos, o reforço
da solidariedade do clã paterno. "Uma mulher sente-se feliz de se iden·
tificar com o território e o clã hereditários, dando sua filha ao filho de
seu irmão",'
Elkin reconhece a razão desta fantasia mostrando que a situação,
tal como se apresenta no Cabo York, não pode ser generalizada. Regiões
vizinhas, geograficamente análogas às que a senhorita McConnel associa
ao casamento patrilateral, não reconhecem senão o casamento matrila-
tera!. a Mas ele próprio não enveredou por um caminho menos perigoso,
quando explica a preferência (segundo ele crescente) pelO casamento ma-
triiateral, pela desejo dos indígenas de encontrar uma sogra tão afastada
quanto possível, "simultaneamente do ponto de vista geográfiCO e das li-
gações de 'parentesco", em razão da proibição dos sogros. '
Se qu(sermos escapar destas explicações' anedóticas, não resta, ao que
parece, sef.1ão dois recursos. Por vezes, invocou-se a passagem da filiação
matrilinear à filiação patrilinear, o que não resolve absolutamente nada,
sem levar em conta o fato, sobre o qual já insistimos, que o casamento
dos primos cruzados não requer, para existir, nenhuma teoria unilateral
da filiação. Por outro lado, Frazer sugeriu apelar para a rivalidade eco-
nômica entre o irmão e a irmã, cada um tentando (e conseguindo ter
êxitos diversos segundo os grupos) tirar uma esposa para seu filho."
Assim, "um pai está mais ansioso de obter sua sobrinha gratuitamente
para seu filho, do que dar sua filha por nada a seu sobrinho". Isso é
contudo o que se passa na grande maioria dos casos, porque, conforme
a própria confissão de Frazer, o casamento com a filha do irmão da
mãe é o tipo mais freqüente. Além do perigo que há, e que já mostramos,
de pensar o casamento por troca em termos econômicos, iríamos nos
encontrar, pois, em presença de uma excepcional vitória feminista, muito
rara nas sociedades primitivas, e que teria passada singularmente des-
percebida.
Se um dos casamentos fosse regular e constantemente preferido ao
outro, ainda se pOderia tentar pesquisar a diferença secundária entre os



  1. R. H. Lowie, Traité de sociologie primitive, op. cit., capo lI.

  2. U. McConnel, Social Organization 01 the Tribes 01 the Cape York Peninsula,
    op. cit., p. 437-438. Lembramo-nos que Shirokogoroff formulou uma hipótese seme·
    lhante a propósito dos tunguses (cf. capo XXIII).

  3. A. P. Elkin, Kinship in Sauth·Australia. Oceania, vaI. lO, p. 381-383.

  4. lbid., vaI. 8, p. 432; Social Organization in the Ktmberley Divísion, op. cit.,
    p. 302-309..

  5. Folklore in the Old Testament, vol. 2, p. 121-125.


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