Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

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cem na maioria dos casos em que o casamento bilateral está presente.
Mostramos, com efeito, no capítulo XIII, que a troca direta não é possível
senão naquilO que chamamos regimes desarmônicos, isto é, onde a resi-
dência e a filiação seguem, uma, a linhagem do pai, e a outra, a linhagem
da mãe, enquanto que .a troca indireta surge como único modo possível
de integração dos grupos nos regimes harmônicos, isto é, onde a filiação
e a residência são simultãnea e respectivamente paterna e patrilocal ou
materna e matrilocaL
Vimos, igualmente, que unicamente os regimes desarmônicos são ca-
pazes de fornecer um processo regular de reprodução por cissiparidade,
desde as metades até às subsecçôes_ Os regimes harmônicos são regimes
instáveis, que não podem adquirir estrutura autônoma senão no estágio
dos sistemas de troca generalizada com n secçôes. Antes deste estágio,
o caráter contínuo fica mascarado no interior da organização dualista,
sendo depois corrompido e deformado (como no sistema Murngin) pela
inevitável contaminação pelo princípio da alternãncia. Há, pois, uma dife-
rença essencial entre a troca direta e a troca indireta. A primeira possui
enorme fecundidade no que diz respeito ao número de sistemas que podem
ser fundados sobre ela, mas, em compensação, possui relativa esterilidade,
quandO a consideramos do ponto de vista funcional. Foi o que expressa-
mos anteriormente ao acentuar que um sistema de quatro secções não
constituía, por si mesmo, nenhum progresso, quanto à integração do
grupo, com relação a um sistema de duas metades. Este mesmo caráter
pode ser expresso de outra maneira. O progresso da troca restrita é fun-
ção da admi~são de um número sempre maior de grupos locais que par-
ticipam da t:foCa, dois, em um sistema Kariera, quatro em um sistema
Aranda. O progresso orgãnico (isto é, o progresso no grau de integração)
é função de um progresso mecânico (isto é, o crescimento numérico da
quantidade de participantes). Inversamente, a troca generalizada, se é
relativamente estéril do ponto de vista da sistemática (porque não pode
engendrar senão um só sistema puro), possui grande fecundidade como
princípio regulador. Com efeito, a troca generalizada, conservando-se o
grupo igual a si mesmo em extensão e composição, permite realizar, no
interior deste grupo mecanicamente estável, uma solidariedade mais fle-
xível e mais eficaz.
Assim sendo, compreende-se por que razão, desde que se manifeste
uma preferência unilateral, a consideração do grau de parentesco, isto é,
a noção da relação, adqUire caráter preponderante, enquanto em todos
os lugares onde o bilateralismo ocupa o primeiro plano é o sistema, isto
';[_ é, a inclusão na classe ou a exclusão dela que desempenha papel prin-
'cipaL É neste ponto, segundo nosso modo de ver, que convém procurar
a resposta ao problema da relação funcional entre as classes matrimoniais
e os sistemas de parentesco na Austrália. Radcliffe-Brown, por ter jul-
gado encontrar um conflito latente entre os dois, concluiu que só o
sistema de parentesco desempenhava um papel e negou que as classes
matrimoniais tivessem qualquer valor funcional no que diz respeito à
regulamentação do casamento. Mostramos, ao contrário, que havia acen-
tuado paralelismo entre as classes e os graus de parentesco, e agora
vemos a razão de tal fato. Um sistema matrimonial, mesmo se fundado
sobre a troca direta, não pode ser inteiramente surdo e cego às virtuali-

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