Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

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wna espécie de jogo ou de formação estética, fundados na Inconsciente
apreensão de um fenômeno de estrutura ainda frusto e mal esboçado.
Para traçar uma rápida Interpretação da estrutura dos sistemas de
parentesco europeus não temos portanto necessidade de reconstituir não
se sabe que estado arcaico, durante o qual a sociedade Indo-européia teria
praticado o casamento dos primos cruzados, ou mesmo conhecido a di·
visão em metades exogãmicas. Basta observar que a Europa apresenta, no
estado atual ou num passado ainda próximo, um conjunto de traços
estruturais reveladores do que chamamos troca generalizada. O estudo
daS formas simples desse tipo de troca permite sempre observar as rela·
ções funcionais. Quais são estes traços?
Em primeiro lugar vem a classificação germânica dos parentes e
aliados em "speermagen" e "schweitmagen", de um lado, e "spillmagen"
e "kunkelmagen" de outro, isto é, paternos e matemos, "parentes pela
lança e pela espada" e "parentes pela roca e pelo fuso". Encontramos
aqui a distinção Indo-oriental entre "Parentes do osso" e "parentes da
carne", entre "doadores de esposas" e "tomadores de mulheres", Disse-
mos a razão pela qual esta classificação, segundo nosso modo de ver, só
é compativel com um sistema de troca generalizada. Somente nesse siso
tema é que em face dos paternos os matemos são matemos e nada mais
do que isto, e os paternos ocupam, com relação aos matemos, uma po-
sição igualmente univoca. Em sistema de troca restrita, ao contrário, os
dois grupos possuem simultaneamente os dois atributos, um relativamente
ao outro." A: recorrência dessa classificação tipica, da Germânia até o
Pais de Gales, justificaria, por si só, a inclusão da Europa na área da
troca generalizada.
O estudo 'daS formas simples da troca generalizada na Birmânia e
no Assam permitiu·nos estabelecer uma correlação entre estas formas
e o aparecimento de uma divisão da sociedade em grandes grupos unila·
terais, provavelmente originários de clãs, mas dotados de caracteres es·
peciais, tal a diferença das posições sociais acompanhada de particula·
ridades étnicas, lingüísticas, funcionais ou de hábitos. Estes grupos são
exógamos e sua distribuição hierárquica obriga·os a praticar a hipergamia.
A mitologia Katchln representa·os como descendentes de irmãos, quer
por unidade quer por par." Interpretamos as castas Indianas, e talvez
também as "classes sociais" iranianas, como produtos de uma estrutura
do mesmo tipo. Mas os fatos permitem postUlar a existência dessa es·
trutura em uma área muito mais vasta. Heródoto (IV, 5-6) descreve·a,
entre os citas, com caracteres (irmãos fundadores, secções gemelares,
etc.) que lembram até nos detalhes a mitologia Katchln. Dumézil, que
menciona a este respeito paralelos na índia, conseguiu seguir a expansão
dela até o Cáucaso." Se acrescentarmos que o mesmo texto de Heródoto
refere a herança do caçula entre os citas, e que até na Irlanda encontra·se
um costume análogo com a prática do (lei/tine, ou do "rapaz de cabeça


  1. Cf. capo XXIII.

  2. Cf. capo XVI.

  3. G. Dumézil. La préhistoire iranienne des castes. JournaL aslatique, 1930, p. 125·
    126; Naissance d'arclumges, Paris 1945, p. 146ss.

  4. É a situação social de Bergette na peça de John Ford: This Pity she's a Whore
    (publicada com introdução e notas por Havelock Ellis, Londres 1888, p. 114), e não
    é indiferente observar que acrescenta um elemento dramático à situação incestuosa
    entre sua noiva Annabella e o irmão desta.


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