Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

imediatamente entre /cave maori ou "irmã verdadeira" e kave kasese, I<irmã
diferente", kave fa/catafatafa, "irmã posta de lado'~, /cave i take yayae, "ir-
mã de um outro lugar".' É a relação social, situada além do vínculo
biológico, implicado pelos termos "pai", "mãe", "filho", "filha", uirmão"
e "irmã" que desempenha o papel determinante. Por este motivo, so·
bretudo, as teorias que tentam explicar a proibição do incesto pelas con·
seqüências nocivas das uniões consangüíneas (inclusive numerosos mitos
primitivos que sugerem esta interpretação) só podem ser consideradas
como racionalizações.
Considerada do ponto de vista mais geral, a proibição do incesto
exprime a passagem do fato natural da consangüinidade ao fato cultuo
ral da aliança. Já a natureza atua, por si mesma, segunda o duplo ritmo
de receber e dar, traduzido na oposição entre casamento e filiação. Mas
se este ritmo, igualmente presente na natureza e na cultura, lhes confere
de certo modo uma forma comum. não aparece, nos dois casos, sob
o mesmo aspecto. O dominio da natureza caracteriza·se pelo fato de nele
só se dar o que se recebe. O fenômeno da hereditariedade exprime esta
permanência e continuidade. No domínio da cultura, ao contrário, o in-
divíduo recebe sempre mais do que dá, e ao mesmo tempo dá mais do
que recebe. Este duplo desequilíbrio exprime·se respectivamente nos pro·
cessas, entre si inversos e igualmente opostos ao precedente, que são a
educação e a invenção. Não está certamente em nosso pensamento su-
gerir aqui que os fenômenos vitais devam ser considerados como fenô-
menos de equilíbrio. O contrário é manifestamente verdadeiro. Mas os
desequilíbrios biológicos só aparecem como tais em sua relação com o
mundo físico. Comparados aos fenômenos culturais mostram-se, ao con-
trário, sob as espécies da estabilidade, ao passo que o privilégio da sín·
tese dinãmica passa aos fenômenos da nova ordem. Considerado desse
ponto de vista, o problema da passagem da natureza à cultura reduz,se,
portanto, ao problema da Introdução de processos de acumulação no
'Interior de processos de repetição.


Como é possível esta introdução com base nos dados naturais, por
hipótese os únicos presentes? Segundo acabamos de acentuar, a nature-
za, do mesmo modo que a cultura, atua segunda o dupla ritmo de re·
ceber e dar. Mas os doís momentos desse ritmo, tal como é reprodu·
zido pela natureza, não são indiferentes aos olhos da cultura. Diante do
primeiro período, o do recebimento, expresso pelo parentesco biológico,
a cultura é impotente, pais a hereditariedadE. de uma criança está in·
tegralmente inscrita no interior dos genes veiculados pelas pais. Taís se·
jam estes, tal será o filho. A ação momentãnea do meio pode acrescentar
sua marca, mas não poderia fixá·la independentemente das transforma-
ções desse mesmo meio. Consideremos agora a aliança. É tão imperio-
samente exigida pela natureza quanto a filiação, mas não da mesma ma-
neira nem na mesma medida. Porque, no primeiro caso, s6 é exigido o
fato da aliança, mas - nos limites específicos - não sua determinação.
A natureza atribui a cada individuo determinantes veiculados por seus
pais efetivos, mas não decide em nada quais serão esses pais. A here-
ditariedade, portanto, considerada do ponto de vista da natureza, é du-
plamente necessária, primeiramente como lei - não há geração espon-


  1. Rayrnond Firth, We, the Tikopia, Londres 1936, p. 265.


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