Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

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Mesmo assim retificada, esta maneira de levantar o problema con-
serva-se grosseira e provisória. Mais adiante teremos ocasião de deter-
miná-la e aprofundá-la. Porém mesmo nesta forma aproximada basta pa·
ra mostrar que não é preciso Invocar uma aprendizagem que se estenda
por milhares de anos para compreender - segundo a expressão vigo·
rosa e intraduzível de Tylor - que no curso da história os povos sel-
vagens devem ter tido constante e claramente diante dos olhos a esco·
lha simples e brutal "between marrylng·out and belng killed-out".'
Mas para que a demonstração seja eficaz é preciso que se estenda
a todos os membros do grupo. É a condição da qual a proibição do
incesto fornece, em forma mais evoluída, a inelutável expressão. O ca-
samento não aparece somente nas peças de operetas como uma institui·
ção a três. Por definição, sempre e em toda a parte é isso. Desde que
as mulheres constituem um valor essencial à vida do grupo, em todo
casamento o grupo intervém necessariamente em dupla forma: a do "ri·
vai", que, por intermédio do grupo. afirma que pOSSUía um direito de
acesso igual ao do cõnjuge, direito a respeito do qual as condições nas
quais foi realizada a união devem estabelecer que foi respeitado; e a
do grupo enquanto grupo, o qual afirma que a relação que torna pos-
sível o casamento deve ser social - isto é, definida nos termos do grupo


  • e não natural, com todas as conseqüências, incompatíveis com a vida
    coletiva, que indicamos. Considerada em seu aspecto puramente formal,
    a proibição do incesto, portanto, é apenas a afirmação, pelo--grupo, qU!l
    em matéria de relação entre os sexos não se pode -taZELo g"e-se--quer,
    O aspecto positivo da interdição consiste em dac início a um:coIrie~
    de organização. ----- ------ --
    Poder-se-á sem dúvida objetar que a proibição do incesto não cumpre
    absolutamente uma função de organização. Não se acomoda, em certas
    regiões da Austrália e da Melanésia, com um verdadeiro monopólio das
    mulheres instaurado em benefício dos velhos, e, mais geralmente, da po-
    ligamia, cujos resultados nós mesmos acentuamos?
    Mas estas "vantagens". se quisermos considerá-las como tais. não são
    unilaterais. A análise mostra, ao contrário, que admitem sempre uma
    contrapartida positiva. Retomemos o exemplo, citado acima, do chefe
    Nhambiquara que compromete o equilíbrio demográfico de seu pequeno
    grupo monopOlizando várias mulheres, que se teriam tornado normal-
    mente esposas monógamas à disposição dos homens da geração seguinte.
    Seria arbitrário isolar a instituição de seu contexto. O chefe do bando
    tem graves responsabilidades, o grupo confia inteiramente nele para fi-
    xar o itinerário da vida nômade, escolher as etapas, conhecer cada po-
    legada do território e os recursOs naturais que aí se encontram em cada
    estação, determinar a localização e o trajeto dos bandos hostis, nego-
    ciar com estes ou combatê-los, conforme a ocasião, e constituir, final-
    mente, reservas suficientes de armas e de objetos de uso corrente para
    que cada pessoa obtenha eventualmente dele aquilo de que precisa. Sem
    suas mulheres polígamas, mais companheiras que esposas, e libertadas
    por sua posição especial das servidões de seu sexo, sempre prontas a
    acompanhá-lo e a assisti-lo nas expedições de reconhecimento e nos tra-
    balhos agríCOlas ou artesanais, o chefe não poderia fazer frente a todas
    2. E. B. Tylor, On a Method of Investigating the Development of Institutions ...
    Jourool 01 the Royal Anthropological Institute, voI. 18, p. 267.


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