Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

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mas aos quais ligamos grande apreço psicológico, estético ou sensual,
como as flores, os bombons, e os "artigos de luxo", fossem considera-
dos como devendo convenientemente ser adquiridos em forma de dons
recíprocos, e não em forma de troca ou de consumo individual.
Festas e cerimônias regulam também entre nós o retorno periódico
e o estilo tradicional de vastas operações de troca. Na sociedade norte-
americana, que parece muitas vezes procurar reintegrar na civilização mo·
derna atitudes e procedimentos muito gerais das culturas primitivas, es·
tas ocasiões tomam uma amplitude inteiramente excepcional. A troca de
presentes de Natal, a que, durante um mês cada ano, todas as classes
sociais se dedicam com uma espécie de furor sagrado, não é outra coisa
senão um gigantesco potlatch envolvendo milhões de indivíduos, no final
do qual os orçamentos familiares defrontam·se com duráveis desequilí-
brios. Os "Christmas cards" ricamente decorados não atingem sem dú-
vida o valor dos "cobres", mas o requinte de sua escolha, singularidade
e preço (que, mesmo modesto, não deixa de se multiplicar por motivo
da quantidade), o número deles, enviado ou recebido, são a prova, ri-
tualmente exibida na chaminé do recebedor durante a semana fatídica,
da riqueza de suas ligações sociais e do grau de seu prestígio. Seria
preciso também mencionar as técnicas sutis que regulam o embrulho dos
presentes e que, todas elas, traduzem, à sua maneira, o vinculo pessoal
que existe entre o doador e o dom, e a função mágica do presente: em-
balagens especiais, papéis e fitas consagradas, etiquetas emblemáticas, etc.
Pela vaidade dos dons, cuja reduplicação freqUente resulta da escala li-
mitada dos Objetos próprios para servirem de presente, estas trocas to-
mam também a forma de uma vasta e coletiva destruição de riquezas,
Sem desenvolver aqui o tema folclórico moderno, contudo tão significa·
tivo, do milionário que acendia seus charutos com notas de dinheiro,
há numerosos pequenos fatos para lembrar que, mesmo em nossa so-
ciedade, a destruição das riquezas é um meio de prestígio. O comercian-
te hábil não sabe atrair a clientela fazendo segredO de que certas mer-
cadorias de alto preço são por ele "sacrificadas"? O Objetivo é econô-
mico, mas a terminologia guarda um perfume misterioso.
11: sem dúvida o jogo que fornece, na sociedade moderna, a imagem
mais característica dessas transferências de riquezas, com o fim exclu-
sivo de adquirir prestígio, e o jogo exigiria, por si mesmo, um estudo
especial. Vamos nos limitar aqui a uma breve observação. Durante os
últimos cem anos o jogo tomou um desenvolvimento excepcional todas
as vezes que os meios de pagamento excederam consideravelmente as dis-
ponibilidades locais de bens. As fabulosas histórias de jogo do Klondyke
ou do Alasca no momento da expansão mineira encontram eco nas da
região amazônica na grande época da borracha. Tudo se passa, pois, co-
mo se o dinheiro, que estamos habituados a considerar como simples
meio de obtenção de bens econômicos, recuperasse, no momento em que
não pOde esgotar-se nesse papel, uma outra função arcaica, atribuída
outrora às coisas preciosas, a de instrumento de prestígio ao preço do
dom e do sacrifício, efetivamente realizado ou simplesmente arriscado.
Esta ritualização do uso dos "excedentes" corresponde à regulamentação,
já estudada no capítulo IH, do uso dos "produtos escassos". Entre esses
dois extremos encontra-se uma espécie de zona de indiferença e de li-
berdade. Os estudos de Martius sobre os Aruak são conhecidos: "Embora

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