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TELETRABALHO
MUDAR OU
NEM POR ISSO
José Eduardo Carvalho,
presidente da Associação
Industrial Portuguesa
(AIP), relaciona o estado de
confinamento social a que os
portugueses foram remetidos
com a aposta das empresas em
ferramentas de teletrabalho e
dá como exemplos do esforço
levado a cabo por advogados,
investigadores científicos,
banca, empresas de consultoria
e de utilities, e até muitas das
funções do setor da indústria
transformadora, mas também
recorda que esta mudança súbita
acarreta riscos: “a conjuntura
depressiva em que vivemos é
propícia a entusiasmos sobre
tudo o que nos traga esperança,
novidade e diferença. E esta
introdução forçada e massiva
do teletrabalho pode corroer os
resultados e as vantagens que
dele se espera”. Novas formas
de avaliação e recompensa terão
de ser criados, admite
o presidente da AEP, dando o
mote para uma mudança na lei.
“Um código de trabalho e um
quadro jus-laboral assente
nas premissas da 2ª revolução
industrial tem dificuldades em
enquadrar a generalização do
trabalho remoto”, afirma
José Eduardo Carvalho.
Nos sindicatos, a questão é
vista sob prisma diferente:
“não tem sido bom o feedback
das pessoas que passaram a
trabalhar em casa”, informa
Andrea Araújo, da Comissão
Executiva da CGTP. Segundo a
sindicalista, algumas empresas
terão tentado recusar subsídios
de alimentação ou de isenção de
horário. “O teletrabalho já está
previsto no Código do Trabalho.
Não precisa de mais regulação,
nem precisa de um novo regime. O
Código do Trabalho já diz que não
pode haver diferenciação entre
trabalho e teletrabalho”, defende
a dirigente da CGTP.
Investigação Família, Gerações e Saú-
de do CIES-IUL, dá como exemplo as
escolas: quase todas crianças e jovens
adaptam-se com facilidade às tecno-
logias – “e, provavelmente, vão pedir
mais destas soluções depois da pande-
mia, porque já têm novos hábitos e novas
necessidades”. “Mas o ensino sempre
foi muito permeável às desigualdades
sociais. Nem alunos, nem professores
ou sequer as próprias escolas estão nas
mesmas circunstâncias, no que toca a
acessos à Internet ou equipamentos”.
Se se juntar à desigualdade uma eventual
obsolescência do parque informático a
conclusão torna-se lógica: “Vai ser pre-
ciso investir”, acrescenta o investigador
do ISCTE.
Também para os operadores de tele-
comunicações é hora de começar a fazer
contas. Além da quinta geração de redes
móveis (5G) que aí vem, há que ter em
conta uma nova distribuição geográfica.
Nuno Borges de Carvalho, professor da
Universidade de Aveiro, acredita que boa
parte da mudança poderá ser suportada
pela fibra ótica – mas também lembra
que a 5G recorre a diferentes frequên-
cias e novas modelações de onda. O uso
dos 26 GHz, que não estarão disponíveis
nesta primeira fase em Portugal, poderá
abrir caminho a um potencial substituto
do Wi-Fi. Mas o fator humano terá sem-
pre uma palavra a dizer: “O tráfego vai
mudar da zona comercial para as zonas
residenciais. O que pode exigir reconfi-
guração de estações-base. Num inquérito
que realizámos com alunos verificámos
que os acessos à rede, geralmente, são
piores nas aldeias que nas cidades. O que
significa que o roaming entre operadores
nacionais vai ter de acontecer”, refere
o professor da Universidade de Aveiro.
Luís Correia, professor no Instituto
Superior Técnico, admite que a mudança
de paradigma exige uma relocalização
da rede e dos pontos de armazenamen-
to para distribuir capacidade de rede
pelos diferentes serviços e geografias.
Robotização e carros autónomos figuram
na lista de serviços que vão exigir essas
novas arquiteturas de rede que garantem
baixas latências – e respostas adequadas
sem atrasos. “As redes não estavam pre-
paradas para funcionarem em pleno com
as pessoas todas fechadas em casa. E por
isso surgiram queixas dos consumidores.
Ao mudar o paradigma de trabalho, há
que mudar a forma como as redes fun-
cionam igualmente”, conclui o professor
do Técnico. Hugo Séneca
O Laboratório de Dados Urbanos de
Lisboa que junta mais de 20 equipas de
investigação foi criado precisamente para
extrair informação a partir da amálga-
ma de dados, enquanto o Portal Lisboa
Aberta fornece dados para o lançamento
de negócios ou funcionalidades para a
população, e o Portal Lisboa Inteligente
promove a sensorização da cidade. Até ao
final de 2020, deverá ficar aberta e sem
custos para a população uma rede LoRa
(acrónimo de Long Range) que tem em
vista a multiplicação de sensores conec-
tados dentro da cidade.
João Tremoceiro, Diretor do Centro de
Gestão e Inteligência Urbana de Lisboa,
recorda que, depois da recolha de dados,
é a capacidade de extração de informação
e de previsão que vai fazer a diferença.
A evolução que “poderia ter demora-
do anos” acabou por ser acelerada em
poucas semanas de pandemia. O que
implica outros tipos de desafios: “Se as
máquinas souberem como é que fun-
ciona o trânsito podem tomar decisões
relacionadas com as estradas. Mas para
isso é necessário treino das máquinas, o
que também leva tempo”.
Luís Raposo, presidente da Mobi-e,
está convicto de que o confinamento
social pode dar o mote para novas for-
mas de mobilidade urbana. “Depois da
Covid-19, muitas empresas vão adotar
regimes de teletrabalho. Cabe ao Gover-
no tomar medidas que permitem redu-
zir engarrafamentos ao mesmo tempo
que dão qualidade de vida às pessoas”,
explica.
O presidente da Mobi-e defende que
não será por falta de capacidade da rede
elétrica que vai prosseguir o movimento
de migração para os veículos elétricos,
com especial incidência nos últimos
troços dentro da cidade. “A mobilidade
elétrica fomenta a partilha de veículos,
sejam eles carros, motas ou bicicletas. Há
uns anos a Carris apostou numa solução
de partilha e não pegou, mas agora já
há condições para estas soluções terem
sucesso”.
A PARTILHA NECESSÁRIA
A partilha pressupõe meios de partici-
pação e é nesse ponto que é necessário
acautelar alguns desafios. Até porque
numa sociedade que aponta à digita-
lização como desígnio, há também o
risco de esquecer a parte da população
que não as usa.
Nuno de Almeida Alves, professor
no ISCTE e Coordenador do Grupo de