Le Monde Diplomatique Brasil #174 Riva (2022-01)

(EriveltonMoraes) #1

JANEIRO 2022 Le Monde Diplomatique Brasil 25


as primeiras estações de esqui surgiram
no início dos anos 2000”, com uma con-
siderável transferência de tecnologias e
conhecimentos vindos do estrangeiro.
Assim, a Poma, de Grenoble, líder mun-
dial da ascensão mecânica e fornecedo-
ra do teleférico da Grande Muralha em
1987, multiplicou suas instalações. Des-
de 2018, esse teleférico liga Lianshi, anti-
ga cidade mineira da província de Guiju
(no sudoeste) à “Montanha das Belas
Flores”, a 10 quilômetros, na qual se er-
gue um restaurante panorâmico – uma
etapa intermediária, que permite tomar
um segundo teleférico até a estação de
esqui... onde a temperatura média no
inverno oscila entre 1 °C e 10 °C.
Para os amantes da natureza sel-
vagem, estações surgiram também em
Xinjiang, onde vivem os uigures e di-
versas minorias étnicas. Desde 2013,
nas cadeias montanhosas da província
do Extremo Oeste surgiram 65 esta-
ções, algumas a mais de 3 mil metros
de altitude, para aproveitar a neve na-
tural: lugares distantes, mas “achinesa-
dos” pelo turismo.
“Houve aí ambição política, o que
deu grande impulso ao projeto; mas,
depois de três anos, o impulso diminuiu
muito. Hoje, as realizações são bem
poucas”, observou Fabien Felli, vice-pre-
sidente da Poma. Assim, anunciada em


2016 pelo jornal People’s Daily, a esta-
ção de esqui de Lhassa, no Tibete, não
viu a luz do dia. “O modelo econômico
não funcionou, pois as estações de esqui
foram criadas principalmente por pro-
motores imobiliários que pretendiam
vender apartamentos.” Com a falência
do grupo Evergrande, não é mais hora
de assumir riscos imobiliários. Segundo
Felli, “apartamentos e infraestruturas
são necessários, é claro, mas é neces-
sário também pensar nos serviços, em
mais movimento na estação, em restau-
rantes e cinemas, como na Coreia do
Sul, onde a fórmula ‘Tudo em Um’ foi
testada com êxito”.
Nesse contexto, as estações indoor,
concebidas como parques de diversões
na periferia de grandes aglomerações
e, portanto, na proximidade imediata
de uma clientela de classe média abun-
dante, dão bons resultados. Visto num
primeiro momento como insólito, o
esqui indoor vai criando raízes e se tor-
nando mesmo uma especialidade chi-
nesa: o país conta com 36 estações co-
bertas e ocupa o alto do pódio mundial,
na frente da Índia (10), da Finlândia (8)
e da Holanda (7). E outras trinta estão
sendo construídas.
Cantão possui a maior estação co-
berta da China, o Sunac Snow Park. Com
56 mil m^2 de superfície de neve, pode

acolher 3 mil esquiadores simultanea-
mente em cinco pistas, bem como em
outras atrações também de neve, por 40
euros (material e roupas de inverno in-
cluídos). “Estou totalmente convencido
de que o esqui indoor terá sucesso”, as-
segurou Felli. “Trata-se, nem mais nem
menos, de um parque de diversões, e
esses parques vão muito bem na China.”
Xangai construiu um parque duas vezes
maior, o Wintastar, bem perto do da Dis-
ney. A Poma está presente aí. Para os es-
quiadores neófitos, essa prática interna
pode significar um primeiro passo para
a prática externa.

VENDA DE SNOWBOARDS DECOLA
Em Pequim, a equação parece resolvida.
Para os Jogos Olímpicos, o antigo sítio si-
derúrgico Shugang, perto do quinto anel
viário, foi transformado em um vasto es-
paço verde chamado Big Air Shougang,
com um Starbucks, um aquário e, princi-
palmente, uma longa pista de snowboard
acrobático, coberta de neve artificial. A
capital ganhou assim uma linha de trem
de alta velocidade, sem condutor, para
alcançar as pistas de Jangjiaku, zona de
montanha a 200 km, em 47 minutos,
contra as 3 horas de antes, e aproveitan-
do um túnel cavado sob a Grande Mu-
ralha. “Também ali, a estação de esqui
deve se tornar um parque de diversões

que não contente apenas o esquiador”,
observou Felli. “Por enquanto, nosso pa-
cote é caro, proporcionando um prazer
de esquiar menos evidente que em Cour-
chevel ou mesmo no Japão... pois a neve
é artificial e as temperaturas podem ser
muito rudes e o vento, muito forte.”
Se a venda de esquis a particulares
demora a deslanchar, a de snowboards
decola, apesar da pandemia. A “falta”
se deve sem dúvida a alguns pratican-
tes, como o jovem Su Yiming, 17 anos,
snowboarder de cabelos longos, natu-
ral de Julin, que treina na Áustria. Suas
acrobacias inéditas, que viralizam no
Duyin (o TikTok chinês), lhe valem os
favores da televisão e belos contratos
de patrocínio. Graças a uma vitória em
uma competição internacional no Colo-
rado (Estados Unidos), ele foi seleciona-
do para os Jogos Olímpicos de Pequim.
Sua apresentação será seguida de perto
pelos telespectadores chineses e poderá
suscitar uma explosão de vocações.

*Jordan Pouille é jornalista.

1 Sarah Mischler e Arnaud Waquet, “La glocali-
zation du sport en Chine. Le cas des stations
de ski dans le contexte des Jeux olympiques
de Pékin 2022” [A glocalização do esporte na
China. O caso das estações de esqui no con-
texto dos Jogos Olímpicos de Pequim 2022],
Management & Organisations du Sport, Epis-
ciences, Villeurbanne (no prelo).

© Lila Cruz
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