JANEIRO 2022 Le Monde Diplomatique Brasil 27
Fragilizada pelo contexto político, a
Transnístria viu sua população min-
guar, como a da Moldávia. Com 706 mil
habitantes em 1990, a região não conta
hoje mais que 450 mil.^1 Os jovens, em
grande número, vão estudar ou traba-
lhar no estrangeiro. Em 2016, o salário
médio mensal era de apenas US$ 336,
segundo o grupo de pesquisas Expert-
-Grup.^2 “Não há quem não tenha um
amigo ou um parente no estrangeiro”,
explicou uma jovem de 25 anos que
também não mora mais na cidade onde
cresceu. “Parti com meus pais aos 16
anos e hoje vivo na China.” Como o país
asiático fechou suas fronteiras durante
a pandemia, ela ficou presa na capital
da Transnístria, onde ainda moram
seus avós. Graças à internet, a jovem
continuou trabalhando a distância, co-
mo redatora de conteúdo para uma em-
presa de relações públicas. “Estou con-
tente por ter crescido aqui, mas não
voltarei. Não sou tão patriota assim”,
confessou ela, rindo.
Para Ivan Voit, historiador e profes-
sor da Universidade do Estado de Prid-
nestrovie, a adesão da juventude ao
projeto nacional “depende das pers-
pectivas que lhe forem oferecidas”. A
fim de deter a fuga, as autoridades se
empenharam em consolidar uma iden-
tidade “transnistriana”. Esta não se ba-
searia na etnicidade nem na língua rus-
sa, mas num modelo de assimilação
herdado da época soviética. “Ao criar-
mos nosso país, reagimos à desintegra-
ção da URSS”, explicou Voit. “A identi-
dade regional tem sido, historicamente,
o cimento necessário à coesão dos dife-
rentes povos que habitam a zona: esla-
vos, romenos, judeus, turcos... Ela se
cristalizou, a seguir, em torno da cate-
goria de cidadão soviético: não tínha-
mos então nenhum problema ligado a
questões nacionais.” Essa afirmação,
contudo, ignora certas páginas som-
brias do período stalinista: como no
resto da URSS, a Transnístria teve seu
quinhão de repressões relacionadas às
oscilações da política das nacionalida-
des. Ainda assim, essa visão ressalta a
importância que Tiraspol atribui à coa-
bitação multiétnica mais ou menos
tranquila que prevaleceu durante a se-
gunda metade do século X X na União
Soviética, antes que as chamas nacio-
nalistas envolvessem as ex-repúblicas a
partir de 1991. Como prova desse ape-
go, a Transnístria secessionista adotou
primeiro o nome oficial de República
Moldava Socialista Soviética do Dnies-
ter, quando da declaração de sua inde-
pendência em 1990. O novo Estado afir-
mava, desse modo, sua vontade de
preservar o edifício soviético, então em
decadência. Em 17 de março de 1991,
97% da população votou pela manuten-
ção da URSS em um referendo que as
autoridades moldavas tentaram boico-
tar. Após o desaparecimento da União
Soviética, a república transnistriana
passou a se chamar República Moldava
do Dniester. “Uma reação à traição das
elites da época”, explicou Voit, para
quem estas eram culpadas de tramar a
dissolução da URSS, apesar da vitória
do “sim” (76% dos votantes na escala da
União Soviética).
A eleição de Sandu, no entender do
professor universitário, seria a prova
de que “a política moldava continua
vítima desse nacionalismo romeno”.
Ele lembra que a presidenta se pronun-
ciou em abril de 2021 diante da Assem-
bleia Parlamentar do Conselho da Eu-
ropa em favor da modificação do
artigo 13 da Constituição. Seu objeti-
vo: tornar o romeno a língua oficial do
país, em virtude de uma decisão da
Corte Constitucional de 2013. Sua de-
claração constitui o último episódio
de um debate iniciado em 1989, quan-
do a língua moldava foi declarada ofi-
cial e o alfabeto cirílico foi abandona-
do em proveito do latino. Seguiu-se
uma querela linguística e política da
qual tomou parte a Academia de Ciên-
cias da Moldávia ao estabelecer, em
1996, que “língua romena” era o nome
correto do idioma falado no país. “Nós
é que defendemos a língua moldava”,
concluiu Voit, satisfeito.
Na Transnístria, três idiomas são
oficiais: o russo, o moldavo e o ucra-
niano. “Cada família pode decidir em
que língua seu filho será escolariza-
do”, garante Tatiana Diordieva, direto-
ra do jardim de infância número 1 da
capital. Nos corredores de seu estabe-
lecimento, desenhos colados nas pare-
des mostram pessoas vestidas com
roupas tradicionais moldavas e ucra-
nianas se dando as mãos sob a bandei-
ra da república. Na sala de música, cer-
ca de vinte cabecinhas loiras, com o
uniforme do Exército Vermelho, se
preparam para uma repetição do espe-
táculo do 9 de Maio (aniversário da vi-
tória soviética sobre a Alemanha na-
zista). No programa: dança e hinos
militares, patrióticos, da URSS. “Pelo
resto do ano, as crianças trabalham
com o folclore regional e cantam em
outras línguas”, garante Diordieva, in-
sistindo em sublinhar o caráter multi-
cultural do ensino. Apesar de tudo, o
russo continua sendo a língua onipre-
sente, tanto nos corredores da escola
como nas ruas de Tiraspol.
INFLUÊNCIA
ESMAGADORA DE MOSCOU
“Estudei o moldavo na escola, como se-
gunda língua, mas nunca o falo no dia a
dia”, admite Aliona Zolotij, jovem pro-
fessora de inglês. Assim como ela, a
maior parte dos transnistrianos tem um
conhecimento escolar do moldavo ou do
ucraniano. Sem dúvida, as três línguas
aparecem nos frontões dos edifícios pú-
blicos, mas o moldavo e o ucraniano vão
desaparecendo em proveito da língua de
Puchkin nas tabuletas das lojas, nos co-
merciais e nas conversas de bar. Essa si-
tuação favorece o relato ocidental que
apresenta a Transnístria como um terri-
tório “ocupado pela Rússia”. Moscou
exerce, é verdade, uma inf luência esma-
gadora sobre o futuro da pequena repú-
blica. Embora nunca tenha reconhecido
sua independência, a Rússia lhe dá uma
considerável ajuda econômica, alimen-
tando-a também com gás subvenciona-
do.^3 Em troca, ela permanece submissa
no plano político e desempenha o papel
de anteparo contra uma eventual ade-
são da Moldávia à Otan – perspectiva
que o Kremlin não exclui, a despeito da
inscrição do princípio de neutralidade
na Constituição moldava.
Nas ruas de Tiraspol, o entusiasmo
por Moscou, sentido em 2006 no mo-
mento de outro referendo, parece ter
esfriado. À pergunta sobre a indepen-
dência e uma “possível integração fu-
tura” à Federação Russa, 97% dos vo-
tantes haviam respondido “sim”. “Os
mais velhos é que querem se juntar à
Rússia”, afirma Zolotij. Com 23 anos, a
jovem russófona não se considera rus-
sa: “Sou de Pridnestrovie, mas no es-
trangeiro digo que sou moldava, é mais
simples”. Como a maior parte dos jo-
vens consultados, ela acha que a união
com a Moldávia é a via mais “realista”.
“À semelhança de Gagauzia”, explica
ela, referindo-se à região autônoma do
sul da Moldávia, majoritariamente tur-
cófona. A renovação das gerações teria
enfraquecido o desejo de união com o
grande irmão eslavo? Cansada de espe-
rar o reconhecimento internacional, a
juventude parece aspirar, antes de tu-
do, a uma solução pragmática desse
conf lito congelado.
*Loïc Ramirez é jornalista.
1 Sabine von Löwis e Andrei Crivenco, “Shrin-
king Transnistria – older, more monotone,
more dependent” [Transnístria encolhida –
mais velha, mais monótona, mais dependen-
te], Center for East European and Internatio-
nal Studies, Berlim, 27 jan. 2021.
2 Adrian Lupuşor, Alexandru Fala et al., “What are
the economic treats for Transnistria economy in
2016-2017” [Quais são as ameaças econômi-
cas à economia da Transnístria em 2016-2017],
Expert-Grup, Chişinău, 26 jul. 2016.
3 Ver “De la Transnistrie au Donbass, l’histoire
bégaie” [Da Transnístria ao Donbass, a história
gagueja], Le Monde Diplomatique, mar. 2015.