Um lugar bem longe daqui

(Carla ScalaEjcveS) #1

Andrews, e ao longo dos anos, desde o dia que ele quase a atropelara com a
bicicleta, ela o tinha visto com aqueles amigos na praia, entrando na lanchonete
para tomar um milk-shake, ou então abastecendo no posto de Pulinho.
Nesse dia, conforme o grupo se aproximava, olhou só para ele. Quando outro
rapaz jogou a bola, ele correu para pegá-la e chegou mais perto da sua árvore, os
pés descalços se enterrando na areia quente. Quando ergueu o braço para
arremessar, por acaso virou o rosto e encontrou o olhar de Kya. Depois de passar
a bola, sem dar qualquer sinal para os outros, virou-se e sustentou a mirada. Tinha
o cabelo preto como o dela, mas os olhos eram azul-claros; o rosto forte, bonito.
Um esboço de sorriso se formou nos seus lábios. Ele então voltou para os outros,
ombros relaxados, seguro de si.
Mas tinha notado a presença dela. Sustentado seu olhar. A respiração de Kya
congelou ao mesmo tempo que um calor fluía por seu corpo.
Ela os acompanhou pela praia, sobretudo ele. Sua mente olhava para um lado,
seu desejo para outro. Foi seu corpo, não seu coração, que observou Chase
Andrews.
No dia seguinte, ela voltou: mesma maré, horário diferente, mas não havia
ninguém lá, apenas maçaricos barulhentos e siris surfando nas ondas.
Tentou se forçar a evitar aquela praia e se ater ao brejo para catar ninhos e
penas de aves. Manter-se segura dando mingau para as gaivotas comerem. A vida
a havia transformado numa especialista em esmagar sentimentos até que ficassem
de um tamanho possível de guardar.
Mas a solidão tem uma bússola própria. E ela voltou à praia para procurá-lo no
dia seguinte. E no outro.


*


No fim de uma tarde, depois de ficar esperando Chase Andrews aparecer, Kya sai
do barracão e se deita numa nesga de praia ainda molhada da última onda. Ergue
os braços acima da cabeça, roçando-os na areia úmida, e estica as pernas com as
pontas dos pés espichadas. De olhos fechados, vai rolando lentamente em direção
ao mar. Seus quadris e braços deixam leves depressões na areia cintilante,
clareando e depois escurecendo conforme ela se mexe. Rolando mais para perto
das ondas, ela sente o rugido do oceano com toda a extensão do corpo e a
pergunta: Quando o mar vai me tocar? Onde ele vai me tocar primeiro?
A onda cheia de espuma cobre a areia e se estende na sua direção. Formigando
de expectativa, ela respira fundo. Rolando cada vez mais devagar. A cada giro,
logo antes de o seu rosto encostar na areia, ergue um pouquinho a cabeça e sente
o cheiro de sol e sal. Estou perto, muito perto. Ele está chegando. Quando vou sentir?
Uma febre vai aumentando. A areia fica mais úmida; o barulho das ondas, mais
alto. Mais lentamente ainda ela gira, centímetro por centímetro, esperando o
contato. Dali a pouco, muito pouco. Quase sentindo antes de acontecer.
Quer abrir os olhos para espiar, saber quanto tempo falta. Mas resiste e aperta
as pálpebras com ainda mais força, o céu muito claro atrás dela, sem dar nenhuma

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