Um lugar bem longe daqui

(Carla ScalaEjcveS) #1

do recinto, perto das janelas grandes. Remexendo-se, cochichando, fofocando. A
Menina do Brejo julgada por assassinato; não poderia haver nada melhor. Justiça
de Domingo, o gato do tribunal — costas pretas, cara branca, uma máscara negra
ao redor dos olhos verdes —, espreguiçava-se numa poça de luz num dos peitoris
largos. Morador antigo dali, livrava o porão de ratos e a sala do tribunal de
camundongos, conquistando seu espaço.
Como Barkley Cove tinha sido o primeiro vilarejo assentado naquele trecho
pantanoso e acidentado do litoral da Carolina do Norte, a Coroa o havia
declarado capital do condado e construído a corte original em 1754. Mais tarde,
muito embora outras cidades como Sea Oaks tenham se tornado mais populares e
desenvolvidas, Barkley Cove continuava sendo a sede administrativa oficial do
condado.
Um raio havia atingido o primeiro tribunal em 1912, reduzindo a cinzas boa
parte da estrutura de madeira. Reconstruído no ano seguinte na mesma praça no
fim da Main Street, agora era um prédio de tijolo de dois andares, com janelas de
quatro metros de altura rodeadas de granito. Nos anos 1960, capins selvagens,
palmeiras e até mesmo algumas tifas haviam avançado do brejo e invadido o
terreno outrora bem cuidado. Uma lagoa sufocada de ninfeias alagava na
primavera e ao longo dos anos havia comido parte da calçada.
A sala do tribunal, por sua vez, projetada para replicar a original, era
imponente. A tribuna elevada do juiz feita de mogno escuro com o brasão
colorido do estado encravado na madeira era encimada por várias bandeiras, entre
elas a Confederada. A divisória com a tribuna dos jurados, também de mogno,
tinha arremates em cedro vermelho, e as janelas que margeavam um dos lados do
recinto emolduravam o mar.
Enquanto as autoridades entravam na sala, Tom foi apontando para os
bonequinhos de palito do desenho e explicando quem eram.
— Aquele ali é o oficial de justiça, Hank Jones — disse ele quando um
homem alto e magro, de sessenta anos, com cabelo que havia recuado até depois
das orelhas, o que tornava sua cabeça quase exatamente metade careca e metade
não, andou até a frente do tribunal.
Ele estava usando um uniforme cinza e um cinto largo do qual pendiam um
rádio, uma lanterna, um molho de chaves impressionante e um Colt de seis tiros
dentro do coldre.
O Sr. Jones falou para os presentes:
— Desculpe, pessoal, mas vocês conhecem as regras da brigada de incêndio.
Quem não tiver lugar sentado tem que sair.
— Aquela é a Srta. Henrietta Jones, filha do oficial de justiça, a escrevente do
tribunal — explicou Tom enquanto uma moça tão alta e magra quanto o pai
entrava sem dizer nada e se sentava diante de uma mesa próxima à tribuna do juiz.
Já sentado, o promotor, Dr. Eric Chastain, retirava blocos de anotações da
pasta. Ruivo de peito largo e com mais de um metro e oitenta de altura, Eric só
usava ternos azuis e gravatas largas e brilhantes compradas na Sears de Asheville.
O oficial Jones falou:
— Todos de pé. Declaro aberta a sessão deste tribunal. Sua Excelência juiz

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