Um lugar bem longe daqui

(Carla ScalaEjcveS) #1

história viraram uma lenda contada inúmeras vezes na lanchonete diante de
panquecas e salsichas grelhadas. As teorias e fofocas sobre como Chase Andrews
tinha morrido nunca cessaram.
Com o passar do tempo, quase todo mundo concluiu que o xerife nunca a
deveria ter prendido. Afinal, não havia qualquer indício concreto contra ela,
nenhuma prova real de um crime. Fora mesmo uma crueldade tratar uma criatura
tímida e selvagem daquele jeito. De vez em quando, um novo xerife — Jackson
nunca se reelegeu — abria a pasta do caso e fazia algumas perguntas sobre outros
suspeitos, mas sem grandes resultados. Com os anos, o caso também virou lenda.
E embora Kya nunca tenha se curado por completo do desdém e da desconfiança
que a cercaram, um contentamento suave e uma quase felicidade se instalaram
dentro dela.


*


Certa tarde, Kya estava deitada na serrapilheira macia próxima à lagoa esperando
Tate voltar de uma expedição de coleta de amostras. Respirava fundo, sabendo
que ele iria voltar, que pela primeira vez na vida não seria abandonada. Ouviu o
ronco grave da lancha dele resfolegando canal acima e sentiu o tremor silencioso
no chão. Sentou-se bem na hora em que o barco dele surgiu por entre a
vegetação baixa e acenou para ele no leme. Tate acenou de volta, mas não sorriu.
Ela se levantou.
Ele amarrou a lancha ao pequeno cais que havia construído, saltou para a
margem e foi até ela.
— Kya, eu sinto muito. Tenho más notícias. Pulinho morreu dormindo
ontem à noite.
Uma dor pressionou o coração dela. Todos os que a haviam abandonado
tinham escolhido fazê-lo. Aquilo era diferente. Não era uma rejeição, era como o
gavião-de-cooper voltando para o céu. Lágrimas rolaram por seu rosto, e Tate a
abraçou.
Tate e quase todo mundo na cidade compareceram ao funeral de Pulinho. Kya
não. Mas depois da cerimônia ela foi a pé até a casa dele e de Mabel levando a
geleia de amora que deveria ter levado tempos antes.
Parou diante da cerca. Amigos e familiares enchiam o quintal de terra batida
varrido até tinir de tão limpo. Alguns conversavam, outros riam de histórias
antigas de Pulinho, e certas pessoas choravam. Quando ela abriu o portão, todos a
olharam, então a deixaram passar. Em pé na varanda, Mabel correu até Kya. As
duas se abraçaram e se balançaram para a frente e para trás, aos prantos.
— Ah, Meu Deus, ele te amava como se fosse filha dele — disse Mabel.
— Eu sei — disse Kya. — E ele era o meu pai.
Mais tarde, Kya voltou a pé para sua praia e se despediu de Pulinho com as
próprias palavras, do seu jeito, sozinha.
E enquanto passeava pela praia recordando Pulinho, na sua mente surgiram
pensamentos sobre a mãe. Como se Kya fosse novamente uma menina de seis

Free download pdf