Causos do Cabete

(Bruno Cabete) #1
CausosdoCabete | 94

Chegando na beira da mata procurou um lugar bem confor-
tável e camuflado entre alguns galhos, de onde tinha uma boa vi-
são sobre o local onde se concentravam os rastros da onça. Che-
cou a carga da espingarda colocando a vareta de socar dentro do
cano, marcou com o seu dedo (ainda normal) a altura da boca do
cano e retirando a vareta alinhou-a do lado de fora do cano para ter
certeza sobre a carga colocada. Retirou então uma espoleta da latinha
e colocou-a no ouvido da espingarda, peça que leva a faísca da espo-
leta até a pólvora que irá impulsionar o chumbo. Encostou a espin-
garda em um tronco a seu lado e como estava incomodado com os
pernilongos a zunir-lhe nas orelhas, que eram de bom tamanho pa-
recendo duas pequenas bacias, resolveu fazer um cigarro de palha
com um pedaço de um forte e fedido fumo de corda que trazia no
bolso.
Retirou a pequena brítola com cabo de chifre de boi do bolso (ca-
nivete com a lâmina curva no formato de foice usado para a poda da
uva, colheita dos cachos e outras tarefas de enxertia), segurou com o
dedão e indicador da mão esquerda o pedaço de fumo de corda e
com a mão em concha, para depositar o fumo cortado, passou a tirar
finas fatias que depositava na palma da mão.
Estava bem distraído nesta operação delicada de preparar o
“paieiro” quando “sentiu” a presença da onça. Ergueu os olhos do
fumo para a onça que saía da mata e ficou estarrecido com o tama-
nho e imponência do felino. Sem se aperceber continuou mecanica-
mente a picar o fumo. Por sorte o vento vinha da onça em sua dire-
ção pois se fosse contrário já teria sido notado. A onça foi saindo
devagar e decidida como quem vai às compras já tendo a lista no
bolso.
Os olhos do Napoleão não desgrudavam da onça. Não se atrevia a
fazer qualquer movimento mais brusco para pegar a arma e continu-
ava a picar o fumo. Foi quando só restava a visão do rabo da onça,
que caminhava em direção ao curral, que sentiu um líquido quente
escorrendo pela sua mão esquerda. Percebeu que havia picado todo
o fumo e toda a ponta do dedão esquerdo que se esvaía em sangue.
Enrolou o que restava do dedão na beirada da camisa toda suja e foi
pra casa. Lá colocaram açúcar cristal para parar o sangue e uns
emplastos de ervas para a cicatrização. A ponta do dedo começou a
se recompor, mas na hora de nascer uma nova unha veio uma infec-

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