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Conheci Fulvia no momento exato: o acaso quis que o primeiro homem de
sua jovem vida fosse eu. Infelizmente esse feliz encontro estava destinado a ser
breve; as circunstâncias me impunham deixar a cidade; meu navio já estava no
cais; a partida era no dia seguinte.
Estávamos ambos conscientes de que não iríamos mais nos ver, e
conscientes também de que isso fazia parte da ordem estabelecida e inelutável
das coisas; assim, a tristeza, presente em graus diversos em mim e nela, era por
nós, sempre em graus diversos, governada pela razão. Fulvia pressentia o vazio
que experimentaria ao se interromper nossa rotina apenas iniciada, mas
também a nova liberdade que se abria a ela e as múltiplas possibilidades que daí
surgiriam; eu, ao contrário, era levado a situar os episódios de minha vida num
desenho em que o presente recebe luz e sombra do futuro: deste eu já
adivinhava todo o arco, até o seu declínio; e para ela eu antecipava a plena
realização de uma vocação amorosa que eu contribuíra para despertar.
Assim, nessas derradeiras protelações antes do adeus eu não podia me
impedir de me ver apenas como o primeiro de uma longa série de amantes que
certamente Fulvia teria, e de reconsiderar o que se passara entre nós à luz de
suas experiências futuras. Eu compreendia que cada mínimo detalhe de um
amor vivido por Fulvia com absoluto abandono seria recordado e julgado pela
mulher que ela iria se tornar num espaço de poucos anos. Nesse instante, Fulvia
aceitava tudo de mim, sem julgar: mas num amanhã não distante estaria em
condições de me comparar com outros homens; cada lembrança de mim seria
por ela submetida a confrontos, diferenciações, julgamentos. Eu ainda tinha
diante de mim uma moça inexperiente para a qual eu representava todo o
cognoscível, mas ao mesmo tempo me sentia observado pela Fulvia de amanhã,
exigente e desencantada.
Minha primeira reação foi de temor diante do confronto. Os futuros homens
me apareciam como capazes de inspirar uma paixão total, o que para mim não
existira. Fulvia iria me julgar, mais cedo ou mais tarde, indigno da sorte que me
coubera; nela, minha lembrança permaneceria viva, ligada a uma decepção, ao
sarcasmo. Eu invejava meus desconhecidos sucessores, sentia que já estavam ali
à espreita, prestes a arrancarem Fulvia de mim, eu os odiava, já a odiava
também por ter a sorte destinado-a a eles...
Para escapar da angústia, invertia o curso de meus pensamentos, e da
autodifamação passava à autoexaltação. Conseguia sem esforço: por
temperamento sou mais propenso a ter um alto conceito de mim mesmo.
Fulvia tivera uma sorte inestimável em me conhecer em primeiro lugar; mas,
tendo-me agora como modelo, estaria exposta a desenganos cruéis. Os outros
homens que encontraria depois de mim lhe pareceriam rudes, moles, bobos,