Um General na Biblioteca

(Carla ScalaEjcveS) #1

Pietro sacudiu a cabeça e ficou quieto. Andaram mais um pouco, calados.
— E compreende-se — disse Pietro, concluindo em voz alta um raciocínio
interior —, quando isso acontece, acontece!
Tinham deixado a cidade para trás; andavam por uma rua elevada entre
campos não cultivados. Havia um fim de neblina. A fábrica aflorava no limitado
horizonte cinza.
Um motor roncou atrás deles; tiveram justo o tempo de ir para o
acostamento, e um carrão de luxo passou por eles.
A estrada não era asfaltada, a poeira levantada pelo automóvel envolveu os
dois ciclistas, e da nuvem espessa ergueu-se a voz de Tommaso: — E é
exclusivamente no interesse deee... Ock, ock, ock!... — Teve um acesso de
tosse por causa da poeira engolida, e da nuvem emergiu um braço seu, curto,
apontando na direção do carro, com certeza para salientar o interesse da classe
empresarial. E Pietro, tossindo, congestionado e tentando falar enquanto tossia,
disse: — Guack... Nãooo... Guack... maaais... — apontando o carro com amplo
gesto negativo para expressar o conceito de que o futuro não estava nas mãos
dos usuários dos carros luxuosos.
O automóvel ia embora correndo, quando uma de suas portas se abriu. A
porta foi para trás, empurrada pela mão de alguém, e uma sombra de mulher
quase se jogou para fora. Mas quem dirigia freou de repente; a mulher desceu, e
na neblina da manhã os operários a viram correr e atravessar a estrada. Tinha
os cabelos claros, usava um vestido preto comprido e uma capa de pele de
raposa azul com uma franja formada pelas caudas.
Do carro desceu um homem de sobretudo, gritando: — Mas você está
maluca! Você está maluca! — Ela já ia voando longe da estrada, entre as
moitas, e o homem a seguiu até que desapareceram.
Os terrenos abaixo da estrada eram prados onde os arbustos formavam
manchas cerradas, e os dois operários viam aquela mulher ora sair dali, ora
desaparecer, dando passinhos céleres pelo orvalho. Com uma das mãos segurava
a saia levantada, e com movimentos dos ombros se soltava dos galhos que
ficavam presos nos rabos de raposa. Aliás, começou a puxar os galhos e largá-los
para trás, para cima do homem que a perseguia sem muita pressa e, ao que
parece, sem vontade. A senhora bancava a louca pelos campos, e dava risadas
altas, e deixava chover sobre seus cabelos a geada dos galhos. Até que ele,
sempre calmo, em vez de segui-la, barrou-lhe o caminho e a agarrou pelos
cotovelos; e parecia que ela se soltava e o mordia.
Da beira da estrada, os dois operários acompanhavam a caçada, mas não
paravam de pedalar e de prestar atenção por onde andavam, calados, de cenho
franzido e boca aberta, com uma gravidade mais desconfiada do que curiosa.
Assim, estavam quase chegando ao carro parado, abandonado ali com as portas

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