A Santa Aliança

(Carla ScalaEjcveS) #1

estacionamento e partiam para o bairro. Eva pensou em Malte, no medo que o
olhar do menino denotava, no desenho do homem que assassinava outro e, depois,
naquele dia mesmo, na mãe de Malte, que fora buscá-lo por causa de um suicídio
repentino na família.
Olhou para as casas aonde já tinham chegado os moradores, onde já tinham
ligado a TV e havia discussões com as crianças que não queriam ir para a cama nem
tinham gostado do jantar. “Psicose aguda.” E pensar que se podia reduzir um ser
humano àquelas duas palavras, a duas palavras de bem poucas letras! Mas era ela,
aquilo era ela: “Psicose aguda provocada por trauma infantil”. Deveria pesquisar,
talvez, o que era aquilo? Sim; seria muito razoável fazer isso, sem dúvida. Entre os
direitos humanos, está o de saber quem se é.


Na realidade, podia acessar a internet pelo celular; mas demorava muito, a tela era
pequena, e, quando clicava num link, quase sempre a mandavam para alguma
página indesejada – anúncios de pacotes turísticos, carros ou outras coisas que de
modo algum poderia se dar ao luxo agora. Achava, portanto, que o celular
começava a tirar sarro dela. Por isso, tinha sentado na pequena biblioteca pública
das redondezas, não muito longe das quadras de tênis. Através da janela aberta,
ouviu um homem que resfolegava, quase gemia, quando se dispunha a bater na
bolinha amarela. O computador demorou um tempo para iniciar e fez um zumbido
esquisito, não muito diferente de um motor avariado. Uma fina camada de pó
tinha se acumulado na tela, que Eva limpou com a manga, ao mesmo tempo que
prometia a si mesma contratar internet fixa quando recebesse o primeiro salário.
Afora um homem que pigarreava, reinava o silêncio profundo que costuma haver
numa tarde qualquer em bibliotecas de bairro.
Conseguiu enfim se conectar e digitou “psicose aguda” no Google. “Estado
mental repentino que acarreta delírios e alucinações, caracterizando-se por

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