A Santa Aliança

(Carla ScalaEjcveS) #1

escada. De alguma maneira, tinha conseguido vestir-se. Continuava sem ver outra
coisa além dos olhos de Rico, mortos, o buraco de bala na testa, como um terceiro
olho. Precipitou-se escada abaixo, longe, longe do sangue no chão e do olho entre os
olhos de Rico. Chegou à via principal do calçadão Strøget sem ter parado em
momento algum.



  • Pare, Eva! – disse em voz alta. – O que você está fazendo?!
    O celular, o iPhone de Helena, estava em cima da mesa? Eva fechou os olhos e
    tentou reconstituir a cena, mas a única coisa que viu foi Rico deitado no chão, a
    poça de sangue debaixo da cabeça, o olhar. Precisava voltar o quanto antes e
    procurar o celular. Era o que tinha que fazer. Dar com o telefone, examiná-lo, achar
    o que Rico pensava ser importante que ela visse. Voltar.
    Pegou a Klosterstræde. Voltou à porta. Surpreendeu-se com o fato de que a porta
    da rua estivesse aberta, mas aí lembrou que a garota a tinha deixado assim. Entrou.
    Não viu ninguém. Subiu correndo os lances de escada e voltou ao apartamento.
    Vozes no poço da escada. Mais que ouvi-las, Eva as intuiu, e se apressou a fechar a
    porta. Entrou em silêncio. Agora conseguia sentir o cheiro do sangue – ou era
    apenas porque já sabia o que havia no quarto? Entrou na sala. “Onde é que está?”,
    perguntou a si mesma. Não estava na mesa. Bem, talvez debaixo... Não, nada. Na
    estante? Também não. Rico o teria escondido em algum lugar? Numa gaveta?
    Numa gaveta do quarto, por exemplo. Entrou rápido no quarto e ficou um instante
    olhando para o cadáver de Rico. Eva tinha feito que o assassinassem. Alguém tinha
    dito “sarrista”? Coitado. Eva sentou na beira da cama. Menos mal que tivesse
    voltado. Há imagens e impressões tão terríveis que não aguentamos vê-las ou tê-las
    uma vez só. Um paradoxo. É preciso olhar fixamente, chegar a um acordo com o
    horror, o ódio e o medo. Encará-los, assimilá-los por inteiro e depois contorná-los.
    Sentia isso dentro de si – a morte de Rico a enrijecia, determinava-lhe alguma coisa.

  • Vamos lá, Rico – resmungou.
    Ele não disse nada, apenas olhava para o teto. Eva pensou em fechar os olhos dele,

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