Público • Sexta-feira, 1 de Novembro de 2019 • 39
FILIPE FARINHA/CORTESIA FESTIVAL VERÃO AZUL
Da esquerda para a direita
e de cima para baixo: André
Uerba no Teatro das Figuras
(Faro); Projecto Pergunta-Faro-
-Quarteira; Dewey Dell;
workshop de Gustavo Ciríaco
A poucos meses de arrancar com
uma programação que celebrará o
15.º aniversário do Teatro das Figuras
sob o mote 15 anos, 15 momentos,
assente em dezena e meia de espec-
táculos-âncora que atravessam a pro-
gramação (entre os quais um Romeu
e Julieta pelo Quorum Ballet, o espec-
táculo As Cortes de Faro, em que Rui
Catalão “vai juntar várias comunida-
des de Faro e pô-las à conversa”, a
integral sinfónica de Beethoven ou
um concerto de Sílvia Pérez Cruz), Gil
Silva lembra o quanto concertos de
grande mediatismo como os de Cae-
tano Veloso e Benjamin Clementine
ajudam a “dar notoriedade e currícu-
lo ao teatro”. Mas salienta também o
estatuto de Artista Figuras que, desde
2017, desaÆa um nome a apresentar-
se em três ocasiões distintas durante
a temporada, criando uma relação
com a sala e o público (depois de Júlio
Resende e Viviane, este ano pertence
às Moçoilas).
Residências artísticas
Uma das linhas orientadoras funda-
mentais do Teatro das Figuras passa
pela aposta em co-produções com
estruturas locais e em residências
artísticas, por vezes em relação com
as comunidades circundantes (assim
foi com a cantautora Julie Byrne que,
em Maio, passou cinco dias a traba-
lhar na piscatória ilha da Culatra e
terminou esse período com um
pequeno concerto para os ilhéus),
outras vez aproveitando também as
relações com o Verão Azul (Raquel
André passou por Faro e por Loulé
na sua pesquisa para o espectáculo
Colecção de Artistas, apresentado no
Cineteatro Louletano no primeiro
Æm-de-semana do festival). É tam-
bém devido a esta procura de uma
relação mais prolongada dos artistas
com o território que o Verão Azul
passou a bienal — a principal razão,
no entanto, diz João Galante, é
ganhar “tempo para poder fazer
melhor, não fazer sem tempo para
reÇectir”; Catarina acrescenta que,
“numa sociedade que obriga a pro-
duzir constantemente, dar tempo já
é quase um acto de rebeldia”. Os
anos em pousio são assim aproveita-
dos para os criadores desenvolverem
trabalho na região, envolvendo tam-
bém as comunidades.
Foi isso que aconteceu com Gus-
tavo Ciríaco. Entre Cães e Lobos,
apresentado no Cine-Teatro Loule-
tano, caminha por entre sugestões
de paisagens, a partir da recolha de
relatos de lugares que gente graúda
da terra foi buscar às suas memó-
rias. É uma co-produção do cine-tea-
tro que se integra num esforço assu-
mido de Paulo Pires, programador
cultural do município, responsável
por esta sala de 310 lugares, em alo-
car parte do seu orçamento a co-
produções e encomendas. Esta é
uma intenção clara de singularizar
a programação do Louletano, mas
também de lançar desaÆos artísticos
que, depois, o programador tenta
que circulem pela região e pelo res-
to do país. Assim deverá acontecer,
antevê, com o concerto encomen-
dado ao contrabaixista Carlos Bica
para apresentar a sua leitura pessoal
da música de Beethoven, a estrear
no próximo ano.
Assim aconteceu também com o
concerto que juntou a cantora de jazz
Maria João ao grupo algarvio Moçoi-
las, em 2018, e todo o empenho em
manter vivo esse projecto, que tem
continuado a apresentar-se em palco,
prende-se com a preocupação de
Paulo Pires com “a falta de visibilida-
de a nível nacional dos artistas destas
zonas periféricas”. Chegado ao Lou-
letano em 2015, mas nascido no
Algarve, garante que esta já não é a
“região insular em termos de dinâmi-
ca cultural de há 15 ou 20 anos”. E
isso nota-se, garante, “na evolução
da diversidade da programação e no
facto de já não ser tão sazonal”.
Antes, compara, era o entretenimen-
to de Verão que imperava; agora, o
cenário alterou-se e o principal desa-
Æo passa, antes, pela capacitação dos
vários municípios em “terem um
orçamento para programar e equipa
nos espaços”.
Teias de relações
Quer Paulo Pires, quer Gil Silva apon-
tam para a falta de proÆssionalização
das estruturas artísticas do Algarve
como um dos pontos em que ainda
há trabalho a desenvolver e assumem
a preocupação em contemplar tam-
bém a população residente estrangei-
ra (sensível sobretudo a bailado clás-
sico, música erudita, jazz, Çamenco
e fado) nas suas escolhas.
Destacando como prioridades “a
inclusão através da dança e do movi-
mento”, a programação de arte para
a infância e a aposta numa progra-
mação experimental de música atra-
vés do festival Som Riscado, Paulo
Pires salienta “as linhas fundamen-
tais” de uma programação norteada
também pela identiÆcação de “lacu-
nas” que lhe permitem “marcar uma
maior diferenciação”. “Não temos
interesse em estar a trabalhar áreas
em que há outras pessoas a desen-
volver trabalho, não faz sentido tra-
balhar por cima dos outros.”
Na verdade, aquilo que o Verão
Azul também ajuda a fortalecer é
uma teia de relações entre os vários
espaços e as programações e que
reforça uma ligação com a criação
contemporânea, tentando desfazer
qualquer ideia de que esta é uma pro-
gramação inacessível e elitista. E
quanto menos cada um estiver isola-
do nestas escolhas, menos as propos-
tas serão ilhas largadas num vasto
oceano e encontrarão sempre pontes
comunicantes.
contemplativo exercício que, sem
diÆculdade, aponta para a efemeri-
dade e para a ideia de um Æm a que
todos assistem cerimoniosamente.
O Verão Azul chega ao Teatro das
Figuras integrado numa programa-
ção que o director artístico da sala
farense, Gil Silva, classiÆca ao PÚBLI-
CO como “bastante eléctica”. É uma
escolha diante do objectivo declarado
de “tentar abranger vários públicos”
numa sala com 794 lugares, apontan-
do tanto ao mainstream em que se
encontram espectáculos de stand-up
ou de nomes de grande popularidade
(como Jorge Palma e Pedro Abrunho-
sa), mas também a espectáculos mais
experimentais e dirigidos a nichos
— como acontece com o Verão Azul
ou o festival de dança contemporâ-
nea Dance, Dance, Dance.
Verão Azul ajuda
a fortalecer a teia
de relações entre
os vários espaços
e as programações
e reforça uma
ligação com a
criação
contemporânea,
desfazendo
a ideia de que é
uma programação
inacessível
e elitista
FILIPE FARINHA/CORTESIA FESTIVAL VERÃO AZUL
VASCO CÉLIO/CORTESIA FESTIVAL VERÃO AZUL