ípsilon | Sexta-feira 1 Novembro 2019 | 7
Brinca, ri, diz que Pedro Costa farta-se de ganhar
prémios porque fez o filme com ela. “Eu não digo
que um homem não vale nada sem uma mulher?”
“Este filme é para todas as
mulheres que sofrem. Eu sofri
com muita coisa. Se as mulheres
vêem que eu sofri, um dia
também vão ficar livres”
Vitalina Varela
guiu a vender animais. Em Portugal,
com o marido enterrado, ela “vivia
sempre doente, doente”, conta. “Ti-
nha muita dor na cabeça, tinha vari-
zes, tinha dor nos dentes, no cora-
ção”.
Quando chegou, Vitalina Varela
começou por trabalhar como domés-
tica, mas não lhe pagavam e veio-se
embora. Depois esteve anos a fazer
limpezas numa loja num centro co-
mercial e numa empresa. “Passei
muita tristeza mesmo. Passei uma
vida difícil. Quando chegamos [a Por-
tugal] e não temos documentos, não
conseguimos trabalhar. E temos que
pagar as coisas.”
Trabalhar com Pedro Costa deixou-
a feliz. O quotidiano no cinema man-
tinha-a activa. “No filme sempre fa-
lava com os colegas”.
Entretanto, há três anos juntou-se
ao grupo de batuque Finka Pé, com
quem foi tocar a Cabo Verde este Ve-
rão. O Finka Pé, que existe desde 1988
e é dinamizado pela associação Moi-
nho da Juventude, da Cova da Moura,
é formado por mulheres cabo-verdia-
nas. “A minha mãe, a minha irmã, a
minha tia, o meu tio, a minha filha
tocam batuque. É tradição de Cabo
Verde”, diz. Começou tarde, mas no
fundo “já estava pronta”. Explica por
que evitava juntar-se ao grupo: “Ti-
nha muita tristeza. Quando tenho
tristeza no meu coração fico em casa.
Para o batuque é preciso sentirmo-
nos bem, estarmos alegres, conten-
tes.”
Depois de o filme ter sido galar-
doado em Locarno, houve uma pro-
jecção no Moinho da Juventude. “To-
das as pessoas gostaram, ficaram
muito contentes”, lembra. Ela tam-
bém ficou contente com os prémios
— e se Pedro Costa a chamar para mais
filmes, está disponível.
Uma “aparição”
Há na relação de Pedro Costa com
Vitalina Varela (como com Ventura)
mais do que apenas trabalho. O rea-
lizador trata de burocracias de Vita-
lina, inclusive da autorização de re-
sidência; ele e a produção estão
responsáveis pela remodelação da
sua casa, entre outras coisas.
Pedro Costa situa o início do traba-
lho com Vitalina Varela para o filme
em 2016. Primeiro foram as conversas
e passeios. Depois as filmagens,
MARTA MATEUS
e