ípsilon | Sexta-feira 1 Novembro 2019 | 31
Novembro
2019
Teatro Carlos Alberto
Até 2 nov · sex 21:00 sáb 19:00
Niet Hebben
[Carta Rejeitada]
criação e interpretação Crista Alfaiate
coprodução LU.CA – Teatro Luís de Camões, TNSJ
M/12 anos
Teatro Nacional São João
7-10 nov · qui+sex 21:00 sáb 19:00 dom 16:00
Estreia
Could Be
Worse:
The Musical
criação Cão Solteiro & André Godinho
coprodução São Luiz Teatro Municipal, TNSJ
M/12 anos
Teatro Nacional São João
14 nov – 1 dez · qua+sáb 19:00 qui+sex 21:00 dom 16:00
Vidas Íntimas
de Noël Coward
encenação Jorge Silva Melo
coprodução Artistas Unidos, Centro Cultural de Belém,
TNSJ
M/12 anos
Mosteiro de São Bento da Vitória
Centro de Documentação
19 nov · ter 21:00
Leituras no Mosteiro
Mark Ravenhill
http://www.tnsj.pt
dobra
Mark O’Rowe,
carago!
Teatro Carlos Alberto
21-30 nov · qua+sáb 19:00 qui+sex
21:00 dom 16:00 · Estreia
Os Nossos Dias
Poucos e
Desalmados
de Mark O’Rowe
encenação João Cardoso
produção TNSJ
M/14 anos
Mosteiro de São Bento da Vitória
Centro de Documentação
18 nov · seg 19:00
Leituras + Lançamento de livro
Terminus,
Ossário
Mosteiro de São Bento da Vitória
Sala do Tribunal
25+26 nov · seg+ter 21:00
Made in China
de Mark O’Rowe
encenação Pedro Frias
produção ASSéDIO
M/16 anos
Mosteiro de São Bento da Vitória
Sala do Tribunal
2-4 dez · seg+ter 21:00 qua 19:00
Sarna
de Mark O’Rowe
encenação João Cardoso
produção ASSéDIO
M/16 anos
estre
uviram
um certo espírito. “Evitámos ver e
ouvir muito do que já foi feito sobre
ele e a sua obra, conscientemente,
para podermos estar mais livres”,
explica Patrícia. “Mais ingénuos”,
atalha Roberto.
A verdade da
transparência
Estamos no estúdio dos Lavoisier no
bairro da Graça, em Lisboa, parti-
lhado com outros artistas, como o
autor das recolhas sonoras de Via-
gem a um Mundo Maravilhoso. É aqui
que nos dão conta de todo o pro-
cesso que conduziu a um álbum que,
depois da apresentação em Vila Real,
será também estreado em Janeiro em
Lisboa e no Porto. Entre um e outro
momento, será criado um site e mon-
tado um documentário.
Mostram-nos então o álbum, uma
edição em vinil limitada a 300 exem-
plares. Dias depois, Miguel Augusto
Silva, o fundador da editora, explica
porque decidiu escolher os Lavoisier
como primeira banda do novo catá-
logo da Armoniz. “A primeira inscri-
ção deles é a música tradicional e as
recolhas do Michel Giacometti e aca-
bam por ter sempre uma vertente
conceptual nos seus discos”, refere.
“Representam muito aquilo que fa-
ziam na década de 1970 alguns pro-
jectos que o José Fortes acompanhou,
nomeadamente a Banda do Casaco e
o Fausto, este no início da década de
1980”.
Na serigrafia que faz a capa do
disco, vemos a carcaça da árvore de
São Martinho de Anta que Torga
imortalizou em poema – A um negri-
lho é também o tema que abre Viagem
a Um Mundo Maravilhoso. Diz-se que
morreu cerca de duas semanas de-
pois do escritor, a 17 de Janeiro de
- Ali se preserva ainda, no Largo
do Eiró, marca presente, mas dis-
creta. Como o poeta. Os Lavoisier,
que nasceram como banda no fim da
década passada, quando o casal que
forma o duo, emigrado em Berlim, se
deparou com as recolhas de Giaco-
metti e, à distância, sentiu “um êxtase
muito característico por perceber ali
um imaginário colectivo”, lamentam
um certo apagamento da presença de
Torga na memória colectiva. Sentem
que para isso contribui a distância –
“tudo se passava em Lisboa e ele es-
tava longe”. Sentem que para tal con-
tribuirá aquela que é a natureza do
meio cultural português. “Em Portu-
gal a cultura é praticada por áreas da
sociedade mais abastadas. Existe
numa burguesia”, reflecte Roberto.
“O Torga nasce pobre, muito pobre,
numa realidade muito angustiante”,
refere, recordando esse início de vida
em que passou pelo seminário, em
Lamego, em que trabalhou no Porto
como criado ou na fazenda de um tio
em Minas Gerais, no Brasil. “É super
consciente das injustiças do mundo
e vive numa angústia muito grande”,
defende, para concluir: “Há nele
muito angústia que arrepia e deixa-
nos a pensar que o mundo não é as-
sim tão bonito. Se calhar não é aquele
poeta com quem se quer ter mais con-
tacto. Tinha a capacidade de relatar
a realidade e relatava-a friamente,
mas de forma muito bonita precisa-
mente pela sua frieza. Precisamos de
pessoas assim hoje, transparentes. O
Torga é actual porque é exactamente
assim desde o relato dos seus anos de
miúdo em Primeiro dia da Criação,
até aos últimos escritos. É uma linha
muito verdadeira, muito honesta”,
elogia Roberto.
Em 1949, em entrevista ao Diário
de Notícias, no contexto das eleições
a que se apresentou a candidato pela
oposição democrática o general Nor-
ton de Matos, Torga declarava que “o
tempo só trabalha a favor do futuro.
E o futuro somos nós”. Dizia mais:
“Julgam-nos um bando de lunáticos
e de traidores, quando na verdade
representamos a única coisa que
presta num país: o anseio, a inquieta-
ção, a vontade constante de cami-
nhar”. Dizia ainda: “Sou pelo movi-
mento, pela variedade, pelo jogo de
contrastes, por tudo o que não seja
monotonia”.
Nos acordes beatlescos entrando
por “Coroai-me de espinhos”, na ci-
tação da “Frustração”, a de Carlos
Paredes, a entrar na “Frustração” de
Torga que os Lavoisier musicam – a
revolução como sonho incumprido,
um sonho de amor que fez florir to-
dos os campos em pousio, mas que
chegou tarde demais —, nessa forma
de se fundar na música popular por-
tuguesa e de a cobrir de outras sensi-
bilidades, nessa forma de ser música
e dramaturgia devolvendo-nos o es-
pírito e os lugares de um poeta, “Via-
gem a Um Mundo Maravilhoso” é
todo ele vida e movimento.
“Desmedida,/ A revolta imensi-
dão/ Transforma dia a dia a embar-
cação/ Numa errante e alada sepul-
tura.../ Mas corto as ondas sem de-
sanimar./ Em qualquer aventura,/ O
que importa é partir, não é chegar.”
O poema de “Câmara Ardente”
(1962) intitula-se “Viagem”. Cantam-
no agora os Lavoisier, viajantes in-
quietos caminhando entre a neve e
o calor abrasador, entre a angústia e
a utopia, certamente inimigos da
monotonia.