Público - 01.11.2019

(Ron) #1

32 | ípsilon | Sexta-feira 1 Novembro 2019


Uma das maiores


Äguras vivas do


jazz mundial,


cuja vida dava


(e deu!) não um


mas vários Älmes,


Abdullah


Ibrahim voltou


em 2019


aos discos


de originais.


África, Nova


Iorque,


a música, o Islão



  • para todos eles


o sul-africano há


muito encontrou


o seu Budo.


“As pessoas falam sempre


de África como sendo outro lugar, mas


Francisco


Noronha


A


pesar de a biografia cons-
tante do seu sítio oficial
fazer referência a popula-
ções de herança “mista”,
dir-nos-á que não reco-
nhece tal coisa. Quando
conversamos sobre o Budo e, por
arrasto, das “artes marciais” das
quais é apresentado como sendo um
religioso praticante, afirmará desco-
nhecê-las. Obviamente que ninguém
esperaria que, aos 85 anos, uma das
lendas vivas da música mundial, fi-
gura maior do jazz americano e do
Cape Jazz sul-africano, se preocu-
passe em escrever pelo seu punho as
linhas da sua biografia oficial. Mais
ainda tratando-se de alguém tão de-
voto do instrumento — é assim,
aliás, que, educadamente, pedirá

para se retirar. “Peço-lhe desculpa,
mas agora tenho mesmo de voltar
para o piano”.
Pode-se dizer que a história de Ab-
dullah Ibrahim (nascido Adolph Jo-
hannes Brand em 1934), nome adop-
tado aquando da sua conversão ao
Islão em 1968, corresponde à história
moderna da África do Sul, onde vive
desde que, em 1990, consumado o
fim do apartheid, regressou a convite
de Nelson Mandela.
Nascido num dos bairros mais po-
bres de Kensington (Cidade do Cabo),
foi a música que o salvou. Aprendeu-
a ainda aí, em Kensington, enquanto
se desviava das drogas e do álcool que
colocariam muitos dos amigos de in-
fância na prisão ou debaixo de terra.
Já adulto, e com alguns dos membros

com quem formou — e editou Jazz
Epistle - Verse 1 (1960), primeiro álbum
de jazz gravado na África do Sul — os
The Jazz Epistles (onde se incluía
Hugh Masekela, falecido em 2018,
outro dos grandes músicos do jazz
sul-africano), foi a música que o obri-
gou, desta feita, a desviar-se do
apartheid.
Com o massacre de Sharpeville em
1960, Masekela ruma a Londres; Ibra-
him aguenta mais um pouco e, depois
do encarceramento de Mandela e a
ilegalização do ANC, parte em 62,
marco inicial da sua diáspora, geográ-
fica e espiritual. A Suíça é o destino,
com um contrato de três anos num
clube de Zurique, onde é apresentado
a Duke Ellington e donde resulta o LP
Duke Ellington presents the Dollar

Brand Trio (65). Terminado o con-
trato, voa para Nova Iorque, onde,
com uma bolsa nas mãos, continua a
estudar, a tocar e a criar uma família
(um dos seus dois filhos é a rapper
Jean Grae, um dos mais importantes
nomes do hip-hop americano dos
anos 2000).
Nos anos seguintes, tocará com
alguns dos monstros do jazz ameri-
cano (Max Roach, Ornette Coleman,
John Coltrane, Pharaoh Sanders), in-
tercalando com regressos pontuais à
África do Sul. Aos 85 anos, continua
a ter no piano a sua casa, e é com ela
que anda às costas quando toca nas
salas mais emblemáticas de Londres,
Nova Iorque ou no... Japão, onde,
juntando o melhor dos dois mundos,
passa temporadas a aperfeiçoar o

África faz parte do mu

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