Não, não o podia ter sido.
Mas Harry não tinha a certeza. Não podia ter qualquer tipo de certeza de
que não estivera deitado numa cama em Sorgenfrigata, com um sorriso
extasiado nos lábios. Encontrara-se com uma antiga amante, enquanto Rakel
estava deitada a olhar para o tecto de um quarto de hotel em Moscovo,
incapaz de dormir com medo de perder o filho.
Harry aconchegou-se. O vento frio e agreste soprou directamente sobre ele,
como se fosse um fantasma. Aqueles eram pensamentos que conseguira
manter afastados, mas agora amontoavam-se sobre ele. Se não sabia se fora
capaz de enganar a mulher que mais amava na vida, como poderia saber
aquilo que fizera? Aune afirmava que o álcool e a droga apenas aumentavam
ou enfraqueciam as características latentes no nosso interior. Mas quem sabia
com toda a certeza o que se passava no nosso íntimo? Os seres humanos não
são robôs e a química do cérebro altera-se com o tempo. Quem possuía um
inventário total de todas as coisas – dadas as circunstâncias certas e a
medicação errada – que éramos capazes de fazer?
Harry estremeceu e praguejou. Agora sabia-o. Sabia porque tinha de
encontrar Arne Albu, e conseguir uma confissão dele antes que outros o
silenciassem. Não era por a sua profissão lhe ter penetrado na corrente
sanguínea ou por a lei se ter transformado num assunto pessoal. Era porque
tinha de o saber. E Arne Albu era a única pessoa que lho podia dizer.
Voltou a fechar os olhos. O assobio baixo do vento contra as rochas ouvia-
se acima do ritmo persistente, hipnótico, das ondas.
Quando abriu os olhos, já não estava escuro. O vento afastara as nuvens e
estrelas baças cintilavam acima dele. A Lua movera-se. Harry olhou para o
relógio. Estivera ali sentado quase uma hora. Gregor ladrava
enlouquecidamente para o mar. A atracção gravitacional da Lua mudara, o
nível da água baixara, e Harry atravessou aquilo que se transformara numa
praia larga e areosa.
– Vamos, Gregor . Aqui não vamos encontrar nada.
O cão rosnou-lhe quando lhe pegou na trela, e Harry saltou
automaticamente para trás. Olhou para a água. A Lua reflectia-se sobre a
superfície negra, mas agora conseguia distinguir algo que não vira quando a
maré estivera alta. Parecia-se com as pontas de dois postes de amarração
mesmo acima do nível do mar. Harry aproximou-se da borda de água e
acendeu a lanterna.
– Céus – sussurrou.