– O que é que ele queria dizer com isso, Astrid?
A voz dela ergueu-se uma oitava.
– Um assassino a perguntar à única testemunha se ela o reconhece. O que é
que acha? Vinha avisar-me daquilo que aconteceria se eu o denunciasse. Fiz
aquilo que ele queria. Disse-lhe que nunca o tinha visto.
– Mas disse que ele voltou mais tarde para lhe fazer perguntas a respeito de
Arne Albu?
– Sim, ele queria que eu lançasse as culpas para cima de outra pessoa. Tem
de compreender como eu estava assustada. Fingi que não percebi e fiz o jogo
dele... – Waaler ouviu soluços a surgirem-lhe nas cordas vocais.
– Mas agora estaria disposta a dizer-nos isso? Num tribunal, sob juramento?
– Sim, se vocês... se tivesse a certeza de que estava em segurança.
O ping de um e-mail acabado de chegar ouviu-se vindo de outra sala.
Waaler olhou para o relógio. 16h30. Teria de se mover rapidamente, naquela
mesma noite se possível.
Às 16h35, Harry destrancou a porta do apartamento e apercebeu-se
imediatamente de que se esquecera de que ele e Halvorsen tinham combinado
uma sessão de bicicleta no ginásio. Descalçou-se, dirigiu-se à sala de estar e
pressionou o PLAY no gravador de chamadas. Era Rakel.
«O tribunal vai deliberar na quarta-feira. Reservei bilhetes para quinta.
Estaremos em Gardemoen às onze. Oleg perguntou se nos podias ir buscar.»
Nós. Ela dissera que a decisão iria ter efeitos imediatos. Se perdessem, não
haveria nenhum nós para ir buscar, apenas alguém que perdera tudo.
Não deixara um número para ele lhe devolver a chamada, para lhe dizer que
estava tudo terminado e que não precisava de continuar a olhar por cima do
ombro. Suspirou e deixou-se cair na poltrona verde. Fechou os olhos e viu-a
ali. Rakel. O lençol branco que estava tão frio que queimava a pele de Harry,
os cortinados que mal se moviam contra a janela aberta e deixavam entrar um
raio de luar que caía sob o seu braço nu. Harry passou suavemente os dedos
por cima dos olhos dela, pelas mãos, pelos ombros estreitos, pelo pescoço
longo e esguio, as pernas entrelaçadas nas dele. Sentiu a respiração morna e
tranquila dela contra o pescoço, ouviu a respiração a mudar ligeiramente de
ritmo quando ele lhe acariciou as costas. As ancas que se começaram a mover
imperceptivelmente contra ele como se tivesse estado apenas a hibernar, à
espera.