Vingança a Sangue-Frio

(Carla ScalaEjcveS) #1

– Céus. Porquê?
Harry encolheu os ombros.
– Não é muito invulgar as pessoas tornarem-se psicóticas quando perdem
alguém nestas circunstâncias. Algumas reprimem essas emoções e agem
como se os mortos ainda estivessem vivos. A vizinha disse que Stine e Trond
Grette eram um fantástico par, que no Verão praticavam quase todas as tardes
no court de ténis.


– Então ele estava à espera de que a mulher servisse?
– Talvez.
– Céus! Pedes-me uma cerveja enquanto vou à casa de banho?
Anna girou as pernas para se levantar do tamborete e serpenteou através da
sala. Harry tentou não seguir os seus movimentos. Não precisava de o fazer,
já vira tudo aquilo que queria. Ela tinha algumas rugas à volta dos olhos,
algumas madeixas grisalhas no cabelo negro asa de corvo; para além disso,
estava exactamente na mesma. Os mesmos olhos negros com uma expressão
um pouco assombrada, o mesmo nariz alto e estreito acima dos lábios
indecentemente cheios e as faces chupadas que lhe davam um certo ar
faminto. Não se poderia classificar como «bela» – para isso as suas feições
eram demasiado duras e rígidas –, mas o seu corpo esguio era suficientemente
curvilíneo para Harry detectar pelo menos dois homens sentados nas mesas da
área do restaurante a seguirem-na quando ela passou.


Harry acendeu outro cigarro. Depois de Grette tinham feito uma visita a
Helge Klementsen, o gerente de balcão, mas essa visita também não lhes dera
muito com o qual trabalhar. O homem ainda estava em estado de choque,
sentado numa cadeira no seu duplex em Kjelsåsveien, a olhar alternadamente
para o caniche que lhe passava a correr entre as pernas e a mulher que se
apressava entre a cozinha e a sala de estar com café e as cornucópias de creme
mais secas que Harry alguma vez provara. A roupa de Beate estava melhor
adaptada ao lar burguês da família Klementsen do que as Levi’s desbotadas e
Doc Martens de Harry. Apesar disso, era sobretudo Harry que fazia conversa
com uma fru Klementsen, nervosa e trôpega, a respeito da precipitação
invulgarmente elevada daquele Outono e a arte de fazer cornucópias de
creme; seguiam-se, por vezes, interrupções devidas ao bater de pés e soluços
ruidosos que se ouviam acima das suas cabeças. Fru Klementsen explicou que
a filha, Ina, a pobre coitada, estava grávida de sete meses de um homem que
acabara de a abandonar. Bem, de facto, ele era marinheiro e partira para o
Mediterrâneo. Harry quase cuspiu o bolo sobre a mesa. Foi nessa altura que

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