A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

eram avessos a atrevimentos.
Numa dessas tardes, um rapaz, sentado num banco de jardim, levantara-se na
direção de Rosália, lançando um piropo. O irmão, que ia mais à frente com a
namorada, voltou-se, furioso: « Fachavor de sair da beira da minha irmã!»,
ordenou. «Quer a sua irmã para si, é?», desafiou o rapaz que a cobiçou,
armando-se logo ali zaragata, com mãos nas golas e o diabo a quatro. «Se não
fossem os meus primos, tinha dado para o torto.» Mas ao crepúsculo, Rosália
estava de volta. Intocável.
Nos domingos caseiros, de trancas à porta, apanhavam-se os ovos.
Depois, pela tarde, as empregadas divertiam-se a fazer a ronda pelas guaritas,
a trocar olhares com os polícias. «Corríamos aquele parque todo, íamos para a
varanda da Assembleia, descíamos a escadaria e ficávamos à conversa com
eles. Assim passávamos os domingos.»
Os gestos inocentes não convencem a governanta.
Nessa época, raparigas da casa lá tinham desenrascado namoricos nos
intervalos das faxinas. Houve mesmo casórios. Maria, avisada, nunca baixa a
guarda.
No inverno, às sete da tarde já era noite.
Maria mandara a novata ao estendal buscar uma camisa que o «senhor
doutor» ia usar no dia seguinte. «De repente, ouço um barulho nos arbustos e
sai de lá um homem a tentar agarrar-me.» Era um polícia, de lanterna. Rosália
não ganhara para o susto e queixa-se à governanta. Maria não perdoa: no dia
seguinte, o polícia é despedido.
Assim na terra, mas não no céu.
Se dúvidas houvesse, outro episódio ocorrido com Rosália dissipá-las-ia. As
moças confessavam-se todos os meses, aconselhadas pela governanta, que,
curiosamente, não aplicava a receita a si própria. «Nunca a vi confessar-se, se
calhar não tinha pecados», comenta a padeira.
Rosália, que nunca fora de igrejas e beatices, lá ia, sem convicção, a uma
igreja próxima de São Bento. «Que pecados é que eu tinha para confessar?
Nenhuns. Vim de lá com quase 20 anos e nem sabia o que era namorar.»
Mas o padre, novo, engraçara com a rapariga. «A menina é bem bonita. Não
quer sair comigo?», atirou-lhe, um dia, através da grelha do confessionário.
«Ah, filho da puta!», reagiu ela, saindo desvairada sem sequer esperar para ver
a cara do sacerdote.
Dessa vez, porém, Maria fez-se surda para os relatos sobre as fraquezas do
celibato e as tentações da carne. «Eu nunca mais me confessei, mas ele lá

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