ANJO CAÍDO

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Acho que deveríamos tentar conhecer Claudia um pouco melhor.
— Como?
Gabriel mostrou as chaves.
Ela morava no lado oposto ao rio em Trastevere, num antigo palazzo desbotado que
fora convertido num velho prédio residencial desbotado. Gabriel e Chiara passaram duas
vezes na frente do edifício, verificando se seus costumeiros vigilantes italianos haviam de fato
decidido tirar a noite de folga. Na terceira vez, Gabriel se aproximou da porta com a
confiança de um homem que tinha negócios a resolver e convidou Chiara a entrar. O saguão se
encontrava na penumbra e a caixa de correio de Claudia estava abarrotada com o que parecia
a correspondência de vários dias. Gabriel pegou as cartas e as guardou na bolsa de Chiara.
Em seguida, ambos seguiram para a ampla escadaria central e começaram a subir os degraus.
Não levou muito tempo para Gabriel se sentir dominado por uma sensação familiar.
Shamron, seu mentor, a chamava de "barato operacional". Ela o levava a andar na ponta dos
pés, o corpo um pouco inclinado para a frente, e a respirar com regularidade. E a
instintivamente esperar o pior: atrás de cada porta, em cada canto escuro, podia haver um
velho inimigo espreitando com uma arma e uma dívida a ser quitada. Os olhos se moviam sem
parar e os ouvidos, de repente aguçados, percebiam cada som, não importava quão baixo ou
trivial — água jorrando numa pia, um violino tocando ao longe, o choro de uma criança
inconsolável.
Foi esse ruído, de uma criança chorando, que seguiu Gabriel e Chiara até o terceiro
andar. Gabriel caminhou até a porta do apartamento 3B e passou os dedos rapidamente pelo
batente antes de colocar a chave na fechadura. Sem fazer nenhum barulho, ele virou a
maçaneta e ambos entraram. No mesmo instante, se deram conta de que não estavam sozinhos.
Sentada sob a luz de um abajur, chorando baixinho, estava a Dra. Claudia Andreatti.


6


Trastevere, Roma
A mulher não era Claudia, obviamente, mas a similaridade era desconcertante. Era
como se Caravaggio tivesse pintado um retrato da curadora e, então, satisfeito com sua
criação, produzira uma cópia idêntica — a mesma escala e composição, as mesmas feições, o
mesmo cabelo loiro-escuro, os mesmos olhos azuis translúcidos. E agora a cópia avaliava
Gabriel e Chiara em silêncio, enxugando uma lágrima de sua bochecha.
— O que vocês estão fazendo aqui? — perguntou ela.
— Sou um colega de Claudia, do museu — respondeu Gabriel.
De repente, se deu conta de que encarava a mulher com uma intensidade exagerada.
Mais cedo naquela manhã, na saída da basílica, Luigi Donati tinha mencionado algo a respeito
de uma irmã que vivia em Londres, mas não comentara que era gêmea.
— Você trabalhava com Claudia no departamento de antigüidades? — perguntou ela.
— Não — falou Gabriel. — Eu fui encarregado de coletar alguns documentos que ela
pegou emprestado dos arquivos. Se eu soubesse que você estava aqui, nunca teria invadido

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