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A frota portuguesa fundeada na baía de Luanda era composta por uma
corveta, duas fragatas, o petroleiro S. Gabriel e os navios de passageiros Uíge
e Niassa . As lanchas da armada foram a terra e acostaram na base naval para
receberem soldados e oficiais. Faltavam quinze minutos para as quatro da
tarde e uma escassa meia hora para que já não restasse vivalma na base.
Nuno tinha a roupa rasgada, imunda, o cabelo desgrenhado, a barba
comprida. Todo ele era uma chaga, descalço, com os pés roxos e equimoses
nas pernas, nos braços, no rosto. Os olhos, ausentes, não pareciam registar
nada do que se passava à sua volta, como se o seu cérebro se tivesse
desligado, numa função auto-protectora. Regina foi dar com ele encolhido a
um canto de uma cela escura, exígua e sórdida. Nuno não a reconheceu e a
sua primeira reacção foi debater-se.
— Calma, calma, sou eu, Nuno — disse ela, chocada com o aspecto dele.
— Sou a Regina, meu querido. Estou aqui com o Patrício para te levar.
Ele não falou, observou-a só, espantado de a ver, e deixou que ela o
abraçasse e o ajudasse a levantar-se. Ampararam-no, cada um do seu lado, e
transportaram-no para o jipe. Acomodaram-no no banco traseiro. Regina
sentou-se ao seu lado, Patrício saltou para trás do volante, pôs o motor a
funcionar e arrancou. Eram 15.55 horas.
O jipe voou de volta ao centro da cidade. Despacha-te, Patrício, por amor
de Deus, suplicou Regina. Tinha lágrimas nos olhos e uma ansiedade terrível
a comprimir-lhe o peito. Fizeram a Estrada de Catete no sentido contrário de
Viana, ultrapassaram os musseques a uma velocidade vertiginosa. O caminho
estava livre, mas Patrício rezou para que ninguém se atravessasse à sua frente.
Naquela época em Luanda, a regra em caso de atropelamento era não parar
em circunstância alguma, caso contrário o condutor arriscava-se a ser
linchado pela população, pouco importando se tinha ou não razão. Passaram
pela Igreja da Sagrada Família, inflectiram para a direita, em direcção ao mar.
Minutos mais tarde percorriam a Baixa, entravam na Marginal, viravam à
esquerda, depois à direita, atravessavam para a Ilha. Chegaram à porta de
armas da base naval e verificaram que não havia sentinela. Patrício acelerou
até ao cais onde, mais uma vez, não encontraram ninguém. Eram 16.23 horas.
A última lancha partira há oito minutos.