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Os primeiros tempos em Lisboa foram difíceis. Carol não conhecia ninguém e não sabia bem para
onde se virar numa cidade tão grande. Andou um pouco perdida durante semanas. Mas tinha um plano
e, quando saiu da estação, não se deixou intimidar pela enormidade da tarefa que jurara concluir.
Respirou fundo e dedicou-se de imediato às coisas práticas. Enquanto estiver ocupada a resolver os
meus assuntos não entro em pânico. Pensou isto muitas vezes.
Foi procurar uma pensão barata onde pudesse dormir. Nas duas semanas iniciais mudou três vezes
de pensão, porque na primeira havia homens a quererem derrubar a porta do quarto durante a noite; e
a segunda era um negócio de prostituição onde não se conseguia dormir. Finalmente, acabou por
encontrar uma pensão asseada, gerida por uma senhora que arrendava quartos a estudantes. Era um
lugar seguro, donde só saiu no segundo ano para arrendar uma casa a meias com duas colegas de
curso.
Depois de se inscrever na universidade, Carol tratou de procurar emprego. Deu, por acaso, com o
Centro Comercial das Amoreiras, onde entrou para comprar um jornal e tomar um café enquanto
estudava os anúncios das ofertas de trabalho. Marcou um ou outro com uma esferográfica, mas
nenhum lhe pareceu muito prometedor. Porém, mais tarde, distraiu-se a ver as lojas do centro
comercial, e, ao deambular pelos corredores, reparou num anúncio afixado na montra de uma loja de
fotografia: Empregado/a, precisa-se.
Carol tinha urgência em trabalhar e aquele emprego pareceu-lhe tão bom como outro qualquer.
Posso ficar com este agora e depois, sem pressa, tentar arranjar alguma coisa melhor, pensou.
Entrou na loja e ofereceu-se. Era para ser temporário, mas afinal haveria de ficar até terminar o
curso.
Sobreviveu à justa ao primeiro ano e a maior ironia é que, se teve a força de vontade para aguentar
todos os sacrifícios e persistir em condições tão duras que a maioria das pessoas teria desistido, à
mãe o devia. Quando se sentia a vacilar, lembrava-se da mãe e pensava: prefiro morrer a dar-lhe a
satisfação de desistir e voltar para casa com o rabo entre as pernas. Não se prestaria a essa
humilhação. E assim superou desafios impossíveis.
O dinheiro escasseava, o ordenado não chegava para pagar o quarto, a alimentação, a
universidade, os livros de estudo. No início, recorreu às economias do pai para compensar o salário
insuficiente, mas estas acabariam em breve. Carol oferecia-se para trabalhar todas as horas
extraordinárias disponíveis na loja e fazia uma gestão muito rigorosa do seu orçamento, contudo, as
despesas pareciam não acabar. A sua salvação foi o dinheiro extra que ganhava desde que começou a
fotografar as festas dos aniversários dos colegas. O pior é que consumia tanta energia a arranjar
forma de pagar as contas que pouca lhe restava para estudar. Por conseguinte, arriscava-se a deitar
tudo a perder com o esforço inglório para continuar na universidade.