dossiê
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Não dá para se
estabilizar na angústia,
pois ela é o afeto
que não brinca em
serviço. A angústia,
que rasga de dentro
para fora, mostra que
não se foge de si.
É imprescindível
encará-la, ainda que
a vontade seja a
de sair correndo
IMAGENS: SHUTTERSTOCK
demarca que castrações nos cha-
mam ao movimento. Pelo atempo-
ral do inconsciente (o inconsciente
tem um peculiar tempo psíquico,
no qual memórias amalgamam e
reinventam noções de passado,
presente e futuro), muitos ainda
estão enraizados nesse badalar da
vida psíquica, crianças de várias
adultas idades. O infantil em nós
é por toda vida. Por esse motivo,
pelos traçados da infância, ao lado
SINTOMA DA CAUSA E EFEITO
PARA SABER MAIS
C
ura em Psicanálise: queijos no divã. Muito se diz do tratamento psicanalíti-
co, tratamento existencial sob transferência – vínculo clínico. A Psicanálise
trata sintomas? Sim, mas não tão somente aqueles psiquiátricos. São sintomas
singulares, não para serem eliminados, mas sim tratados, escutados. Esses sin-
tomas dizem do sujeito, o organizam desorganizando-o, eliminá-los é emude-
cer o existir. Se o sujeito não reinventa outro modo de lidar com seu profundo
mal-estar fica ruim com o sintoma e pior sem ele, o desamparo assola, pois o
sujeito perde parte falante de si. Trata-se, então, de escutá-lo para fazer falar
de outro modo. Fazer falar o sintoma é ser causa de desejo. São sintomas que
se entregam à transferência. O sujeito em seu inconsciente aceita ser tratado:
sim, toma! E entrega seus dizeres rumo à possibilidade de desembaraçar-se
dos conflitos da confusão de língua. Tendo um irredutível do ser, a Psicanálise
possibilitando a reinvenção singular do sujeito, com seus pares e ímpares, não
busca uma cura no sentido médico do termo. É o sujeito que utiliza o bisturi da
língua para operar sua relação com o destino flexibilizando repetições. Então
qual cura é possível? A cura do queijo. Queijo curado é aquele maturado pelo
tempo dele, o tempo lógico se faz importante e mediante contatos externos
e borbulhas internas eles fazem sua consistência e sabor serem únicos. Queijo
curado depende do corte, do manejo, fica com seus furos e particularidades.
Queijo curado tem história, necessita de cuidados e responde a eles. Queijo
curado é queijo que, com o modo de se relacionar com o que lhe toca, clima,
bactérias, material que suga salmoura ou não, luz, cria uma crosta fiel à sua
necessidade e consegue resistir cada vez mais ao mundo aberto e
seus perigos. Vive melhor em locais
nos quais antes apodrecia, fi-
cava amargo. Aprende a li-
dar com o que o circunda.
Essa é a cura, a construção
de uma nova capacidade de
lidar com o mundo
sob a essência antiga,
transformação, não
sem dificuldades!
disso tudo, o que se está colocan-
do é a onipotência de uma carência
que existe em nós: de um outro que
cuide de nós, que faça por nós, que
nos acolha, que nos indique e que
nos ensine a caminhar, que segure
nossa mão, alguém que nos salve
ainda que saibamos não se tratar
de salvação. Demandamos amor e
buscamos enrijecer o poder a um
outro da verdade, cremos nele,
não por ele, mas pelo amor dele:
“Uma criança sente-se inferior
quando verifica que não é amada,
o mesmo se passa com o adulto”
(Freud, 1936).
Princípio de realidade
A
identificação, o espelho, a ten-
tativa imitante, ecolalias do
fazer constituem papel fundamen-
tal no desenvolvimento do sujeito
frente ao seu mal-estar. Desenvolver
aponta que primeiro se envolve e
depois se “des-envolve” para herdar
algo e fazê-lo teu. Do princípio de
prazer, no qual se desenvolvem dese-
jos e fantasias, advém, em um porvir
existencial, o princípio de realidade,
no qual se desenvolve o ajeitar-se
em meio às ameaças de castração do
mundo social. O princípio de prazer
é pulsionalmente mortífero, visa o
princípio de nirvana.
O advento do princípio de reali-
dade não anula o princípio de prazer.
Segundo Freud, “a substituição do
princípio de prazer pelo princípio
de realidade não implica a deposi-
ção daquele, mas apenas sua prote-
ção” (Freud, 1911). A partir desse
motivo, dentre outros, é que somos
desmedidas e incomensuráveis ve-
zes guiados por nós mesmos para
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