Psique - Edição 156 (2019-02)

(Antfer) #1
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O consciente positivo


Escutar a si mesmo é tarefa árdua, difícil,


inefável e laboriosa, pois não se trata de escutar


orasante dos pensamentos, tão somente, uma


vez que por eles inclusive nos enganamos e


maquiamos em fantasias o que não vai bem


lá, onde não sabemos que sabemos.
Um saber que escapa à razão pensan-
te e que diz pelos rastros repetitivos
dos experimentos da vida cotidiana.
Em busca de algo outrora perdido
para sempre manifestamos dizeres
em lapsos da língua, do corpo, da
memória, por pilhérias, trocadilhos
e chistes, além de dizermos em me-
táforas, nos sonhos e sintomas. O
inconsciente diz de um saber que
relutamos saber que sabemos, uma
resistência que adoece produzindo
estrangulados dizeres sintomáticos.
Quanto mais o sujeito tenta negar a
si mesmo, mais ele se afirma sem per-
ceber. O inconsciente é dinamizado
por processos primários que esca-
pam à lógica do tempo cronológico,
à realidade externa, à caracterização
de bem e bom, é afirmativo e ainda
ausenta contradições mútuas. As ca-
racterísticas do inconsciente, como
podemos perceber, diferenciam-se,
e muito, dos pensamentos. Secunda-
riamente é que emerge, organizan-
do-se para a consciência e os outros,
o escopo pensante. Uma psicanálise
não é para fazer pensar alinhavado,
e sim causar ondas para que algo
mude, ainda que o sujeito nem saiba
de onde aquilo veio. No pensamen-
to, assim como na confissão, fala-se
o que se sabe, e no inconsciente, pela
associação livre sob transferência, o
sujeito diz mais do que sabe, até pre-
ga em si mesmo surpresas acerca de
quem se é.
Portanto, compreendemos que
os pensamentos são fabricados a par-
tir de processos primários de cada
um, sendo este um dos caminhos a
escutar, destrinchar e seguir rumo a
algo dito em suas entrelinhas. O pen-
samento é um derivado secundário
da vida psíquica, tem sua importân-
cia, compete sabermos de qual modo
ele se encaixa na psicopatologia da
vida cotidiana do sujeito. Ele advém
como produto condensado e alinha-
vado de elementos que desconhece-

zão. A razão é uma cobertura de algo,
odito senso comum já o aponta ao
dizer que tal pessoa “está coberta
de razão”. Usam e abusam dessas
coberturas, como drogas, mesmo,
viciosas. O pensamento está certei-
ramente nas procrastinações, assim
como a razão está nas defensivas
ante os afetos. Os pensamentos es-
tão na busca lógica pela felicidade
plena inalcançável por excelência.

Injúrias do pensamento


F


reud (1915) postula que “o
pensamento é o ensaio da
ação”. Um ensaio que desmedidas
IMAGENS: SHUTTERSTOCK vezes aniquila a ação. Como numa


mos que sabemos, “ah, sei lá!”, dizem
comumente as pessoas, apontando
que em algum lugar sabem, mas não
percebem onde e de que modo, mas,
ao inverso do que podemos imaginar,
o inconsciente que não é inconse-
quente, “parece que não está em mim
essa coisa”, “fi quei cego na hora”, “não
sei, tem algo em mim”, “quando vi, já
tinha feito”, é linguagem nossa e so-
mos por ela responsáveis. Escutar é
ético, na medida em que coloca o su-
jeito nas rédeas do responder às suas
mazelas e delícias.
Acerca dos pensamentos, po-
demos pensar (ironia) que eles, os
pensamentos, são coberturas da ra-

A angústia, em
Psicanálise, é um
sinal de alerta,
estrangula o dito
não dito e vem,
agita o ser por
falar tocando na
víscera real do
corpo em que
se habita

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