Naquela época de plena efervescência da Revolução Cultural - em que foram mortos e
perseguidos mais de 800 mil chineses - a maioria dos países do mundo ocidental isolava-se da China
comunista, cujo sectarismo repelia até a própria Rússia, como tolerante revisionista dos puros
princípios de Marx.
Com base neste longo e profundo estudo, não poderia ser outro o parecer do Chefe do Estado-
Maior do Exército, condensado em apenas quatro folhas e contrário, na conjuntura em que vivíamos,
à proposta do Ministro das Relações Exteriores.
Realmente, além de tudo, parecia-nos paradoxal - a mim e a meus oficiais de Estado-Maior -
uma política que, definida como "ecumênica e pragmática",' aceitasse condições contundentes à
nossa soberania para o estabelecimento de tais relações com a República Popular da China. Se era
ecumênica, estava caracterizada como universal; por que motivo, então, excluir dela a China de
Formosa? Se era pragmática - empregado o termo em sua acepção de que só é verdadeiro o que é útil
- mais uma razão para manter as ligações com Taipé, visto que, no confronto dos intercâmbios
comerciais entre as duas nações orientais, no qüinqüênio de 1969 a 1973, havia um saldo de 4,9
milhões de dólares em favor da China de Formosa.
Acredito que, em vista mesmo desta orientação político-ecumênica e pragmática - e do firme
propósito governamental de relacionar-se diplomaticamente à República Popular da China - o mais
vantajoso seria não alijar o governo de Taipé.
Esta atitude, entretanto, não era admitida por Pequim, como se depreende das palavras do vice-
ministro Chen Chien, no seu discurso de 15 de agosto de 1974, no palácio Itamaraty:2 "A Província
de Taiwan é parte inalienável do território da República Popular da China. E esta posição nossa tem
obtido a aceitação e o reconhecimento de um número crescente de países no mundo inteiro. Até agora
há no total noventa e sete países que já estabeleceram relações diplomáticas com a China e mais de
cento e cinqüenta países e regiões que mantêm conosco intercâmbio comercial. Temos amigos por
toda parte."
No mesmo dia, o chanceler brasileiro declarava em seu discurso:3 "Fundamos nosso
relacionamento nos princípios de respeito mútuo à soberania e de não-intervenção nos assuntos
internos do outro país", reafirmando o que dissera em 8 de agosto de 1974, durante o almoço
oferecido ao vice-ministro do governo chinês que, nesta ocasião, defendeu os mesmos princípios.4
Estávamos diante de uma comédia de afirmações. Os representantes dos dois governos
asseveravam respeitar a soberania alheia e não intervir nos negócios internos do outro país, contudo
o chinês exigia, em troca do estabelecimento de relações diplomáticas, o imediato rompimento com
Formosa, e o brasileiro aceitava esta imposição, causando, do meu ponto de vista, fortes arranhões
em nossa soberania. Os responsáveis pelas negociações alardeavam estar o Brasil praticando um ato
de soberania, mas esta não podia ser invocada como respaldo, pois jamais tinha sido contestada.
Ferida ficou, ainda em minha opinião, a partir daquele ato diplomático, curvando-se à exigência
chinesa.