National Geographic - Portugal - Edição 228 (2020-03)

(Antfer) #1
98 NATIONALGEOGRAPHIC

AFundaçãoHeinrichBolle o CentroPulitzerajudaram
a financiarestareportagem.AAGIFdisponibiliza
informaçãosobreincêndiosemwww.agif.pt

Avagadeincêndiosflorestaisteveigualmente
impactesdolorosossobrea vidaselvagem.
Váriasáreasprotegidas,incluindoo ParqueNacional
daPeneda-Gerês,foramfortementeafectadas
porincêndiosprolongados,cominevitáveis
consequênciasparaespéciesemblemáticas
MÁRIORIO

“Portugal é o canário na mina”, afirma Tiago Oli-
veira, actual director da AGIF, a agência nacional
de combate aos incêndios de Portugal. Em 2017,
este perito em ciência de incêndios era responsá-
vel pelo controlo de incêndios da Navigator, a em-
presa de pasta de papel com um volume de negó-
cios superior a 1.350 milhões de euros por ano, que
planta eucaliptais em enormes extensões de terra
para produção de pasta de celulose e papel.
Depois de quase ter morrido no incêndio de
uma plantação em 2003 (dois colegas chilenos
foram surpreendidos e morreram), Tiago Oliveira
passou a debruçar-se sobre a razão pela qual os
incêndios em Portugal parecem estar a agravar-
-se. Essa interrogação motivou uma dissertação
de doutoramento e a publicação de vários arti-
gos sobre ciência de incêndios, juntamente com
investigadores e universidades internacionais.
A sua conclusão é simples: em Portugal, tal como
na região mais vasta do Mediterrâneo, estão a con-
fluir duas tendências de longa duração: o aban-
dono generalizado da paisagem rural, tornada
economicamente irrelevante, aliado à indisponi-
bilidade generalizada do Estado para se adaptar a
viver com os incêndios. “E se o objectivo definido
é eliminar os incêndios do ecossistema, então o
fracasso está garantido”, afirma.


EXISTE UM TRUÍSMO na relação entre civilização e
floresta: quando uma avança, a outra recua. Entre
a Idade do Bronze e a década de 1950, observa Tiago
Oliveira, a civilização e a indústria apoiaram-se nos
recursos fornecidos pelas florestas. “Os camponeses
utilizavam a caruma dos pinheiros para composta-
gem, misturando-a com estrume. A lenha era usada
para a fogueira de casa. As pastagens florestais ali-
mentavam os animais domésticos. As resinas e a
cera serviam para o uso caseiro”, explica.
Os mercadores e artesãos fenícios que nave-
garam Ebro acima no final da Idade do Bronze
descobriram florestas antigas de madeira dura
perfeitas para obter o carvão vegetal necessário
ao fabrico de espadas de qualidade superior, bem
como os machados que alimentavam as forjas.
Os seus descendentes indígenas cortavam as pon-
tas de lança romanas com as afiadíssimas falcatas,
espadas fabricadas na fornalha do carvão vegetal
proveniente dos carvalhos das terras altas. Os ro-
manos, que os derrotaram após laboriosos comba-


tes, abateram o que restava das florestas ibéricas
para desenvolverem novas indústrias: a viticultu-
ra, a criação de cabras e ovelhas e gigantescas mi-
nas de prata apoiadas em andaimes e fundições.
“Na Antiguidade (romana), a paisagem portu-
guesa encontrava-se praticamente desarboriza-
da”, afirma Pedro Bingre do Amaral, professor de
ordenamento do território na Universidade de
Coimbra. As sucessivas civilizações tinham-na
aproveitado até ao tutano.
No século XIV, as regiões montanhosas encon-
travam-se de tal maneira desflorestadas que os
reis começaram a plantar pinheiros para contro-
lar a erosão. Quando se registou a súbita expansão
portuguesa dos Descobrimentos, cada nau de ma-
deira que fazia a viagem de ida e volta entre Lisboa
e a Índia ou a Capitania da Bahia, transportando
riquezas, escravos e soldados do império portu-
guês, precisava de cerca de dois mil carvalhos e
um número equivalente de pinheiros.
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