Valor Econômico (2020-03-21, 22 e 23)

(Antfer) #1

JornalValor--- Página 13 da edição"23/03/2020 1a CAD A" ---- Impressapor ccassiano às 22/03/2020@19:06:


Sábado,domingoesegunda-feira, 21, 22,23demarçode 2020|Valor| A


Coronatime

Overdadeiro‘cisnenegro’éo confrontoArábiaSaudita-Rússia.PorCarlosPrimoBraga


“A linguagem não


foi exatamente


diplomática.


Eles desceram ao


nível do Eduardo


Bolsonaro”.


DeRoberto Abdenur,quefoi
embaixadornaChina,sobre a
reaçãochinesa aosposts do
deputadosobre responsabilidade
chinesapelocoronavírus

Jairo Saddi


Traçoscomuns atuais


comroteiros muito


inesperadoslevam à


indicaçãode redução


drásticana atividade


N

essestemposbicudos,
gostariadetratarneste
espaço sobrecrise ban-
cária.Játivemosartigos
sobreo MomentoMinksy, mui-
tos comentáriossobrecenárioe
conjuntura, pairasobrenós uma
certa percepçãode estrangula-
mentode crédito, entãoé útil
nesteponto indagarse poderá
advirumacrisebancáriacomo
efeitodocoronavírus.
Há inúmeras definiçõespróxi-
mas, algumas de teor maiseconô-
micoeoutrasdeteormaisjurídico,
porém,mesmoassim,é evidente
que uma crise bancária vem a ser
um estágio anormal numa econo-
mia. A definição de crise bancária
passapela a “venda forçada de ati-
vos quandoaestrutura dos passi-
vos não estiver alinhadacom ova-
lor de mercado dos ativos, oque
conduz a um declínio progressivo
deseusvalores”.(Fischer)
Para muitos,a crise bancária

só se instalaem uma dadasitua-
ção econômicaquandohá uma
procuraelevadapor reservamo-
netáriaque não podeser satisfei-
ta em curtoprazo, o que não pa-
rece ser o caso atual.Para outros,
acrisebancáriasedáquandohá
umaliquidaçãoforçadadecrédi-
tosacumulados,comumaconse-
quenteeradicalreduçãonospre-
ços dos ativos bancários ou
quandoum problemade ima-
gemereputaçãoafetaos negó-
cios da instituição, oque tam-
bém,ao menospor enquanto,
não parecese assemelharà situa-
ção atual.Finalmente,há uma
crise bancáriaquandoum grupo
significativo de instituições fi-
nanceiraspossuipassivosqueex-
cedamo valorde mercado de
seus ativos,acarretandoassim
umacorridabancária.Também
nãoseaplicaaqui.
Se nadadissose aplica, a pri-
meiraconclusãoóbviaéquecrise
bancária não ésinônimode ciclo
econômico depressivo,apesar
de, evidentemente,poderrepre-
sentarumade suasprincipais
causas numinstanteseguinte.
Cicloseconômicos têm natureza
eorigemdiversas, e, mesmoque
hajaalgumarelaçãocomcrises
bancárias (quepodemaprofun-
dar-seeaté geraruma depressão
econômica), os assuntosnão são
intercambiáveis.
Do pontode vistade câmbio,

só haveriacrisebancáriase hou-
vesseumacrisedabalançadepa-
gamentos.Como nossocâmbio
flutua,os riscosaqui são apenas
de um overshootingnas relações
de trocae portanto, umacrise da
balançade pagamentosteriade
ser revestidade umalógicapró-
pria em funçãoda fragilidade da
exposição de bancoslocaisa flu-
tuaçõesexternas.
Os traçoscomuns atuaiscom
roteiros acentuadamente ines-
peradoslevamaindicaçãode
uma reduçãodrásticana ativida-
de econômica. Éverdadeque
com oatual momento,há adifi-
culdadede precisarovalor de
mercadodos ativos;o fatode
uma reduçãodos valoresdos ati-
vos não corresponder a umare-
duçãoequivalentenos passivos,
o que podetornaros agentes
econômicos maisvulneráveis a
desequilíbriose os índicesde vo-
latilidadedasbolsasapenaséum
indicadordisto.
No entanto, há sempre omedo
do comportamento irracional
que é detectadoquando um
agente econômico deixa de usar
critérios reais de mensuraçãode
investimentosepassa aguiar
suas açõespela emoção ou sim-
plesmentepor suaintuição.Nes-
se sentido, épossívelestabelecer
uma distinção entremania ebo-
lha; oprimeiro refere-seàirracio-
nalidade,enquanto o segundo,

aosurtoespeculativocausadope-
lo afastamento dos valores fun-
damentaisdeumaeconomia.
Previamente àformação de
umabolha,tem-seaformaçãode
expectativas exageradas, com-
praserevendasde ativosque
marcamum período clarode eu-
foriafinanceira;aofertadecrédi-
to se expandee avelocidade da
circulaçãoda moedaaumenta;
mediantealguns sinaisespecífi-
cos —um boato,adivulgação de
uma notícia,por um informante
privilegiado, que afetea institui-
ção,enfim,qualquerfatorexóge-
no que tenharelevânciasobre
aquelainstituição.

Éevidente queanoçãode
comportamentoracionalé ne-
bulosa.A pretensaracionalidade
dos mercadosémais umapre-
missatomadaa priorido que
propriamenteumaconstatação.
Mercadosnão são racionaisco-
moseafirmam;sãoapenasestru-
turasem que as firmasoperame
nelase relacionam.Os agentes
econômicos, quando providos
de informação, tendemà racio-

J

ohn Templeton
(1912-2008)foi um dos
mais bem-sucedidos
operadores em merca-
dosfinanceirosglobais.Elecos-
tumavadizerqueafrasemaispe-
rigosano mundodos investi-
mentos era: “dessa vez é diferen-
te”.Duranteaeuforiaassociada
coma “bo lha” das dot.comnos
anos90, por exemplo, empresas
de tecnologiaatraíraminvesti-
mentos substantivosmuitoem-
bora estivessem perdendo di-
nheirode formacontínua. Atese
era de que na “novaeconomia”o
importantenãoeraalucrativida-
dedasempresas,masacapacida-
de de atrairusuários.Da mesma
formaapósacrisefinanceiraglo-
bal,aexpansãodaeconomiaglo-
bal eoprolongadoboomem
WallStreetalimentaramacrença
de que BancosCentraisseriam
capazesde evitarrecessõesinde-
finidamente.
A pandemiado covid-19está
fragilizandoafénacapacidadedas
autoridadesmonetárias. Ainda é
cedo para prevero tamanhodo es-
trago associado à crise,mas os
mercados financeiros acumulam
perdas, a volatilidadedas bolsas
aumentou dramaticamente e a
destruição de valor trazmemórias
de2008.Ébem verdadeque,como
Paul Samuelson (Nobel de Econo-
mia, 1970)costumava observar, “o
mercadodeações previunove das
últimas cinco recessões”. Os mer-
cadosfinanceirostendemaflutuar
entre os extremos de previsões oti-
mistas e apocalípticascom uma
velocidadeque contrastacom o
desempenhodaeconomiareal.
No entanto, vou desafiarasabe-
doria de John Templeton e afirmar
que“dessavezédiferente”. Empri-
meiro lugar, a história de Wall
Street sugere que quando os mer-
cados transitamde euforia para
pessimismo, comoilustrado pela
correção de um bull (tendência de
alta)paraum bearmarket (ten-
dência de baixa), emmais de 70%
dos casosuma recessão ocorre nos
EUA.Entre19 de fevereiro e 12 de
março de 2020, o índice S&P 500
colapsou 26,8%, indicando o final
do bullmarket maislongo da his-
tória (quase onzeanos) e uma cor-
reçãosubstantiva.
Emsegundolugar,acapacidade
de autoridades monetárias de cor-
rigirasconsequênciaseconômicas
de umapandemia é limitada. Os
cortesemergenciaisdetaxasdeju-
ros,injeçõesderecursosnomerca-
do de recompra de títulos (repo),e
aadoção de novasmedidasdefle-
xibilização quantitativa são políti-
cas adequadas já que é importante

nalidade;já quandonão detêm
informaçãosuficiente,agemim-
pulsionados pelo pânico. Há
muitodistoatualmente,frenteàs
incertezase ao futurodo desen-
volvimentodovírus.
E o que dizerdas consequên-
ciasdomomentoatual?Umacri-
seé,sempreeemqualquerlugar,
um processode destruição de ri-
queza.Por ser eivadade efeitos
econômicos,aofertase reduz,o
créditorareiae há umadevassi-
dão no multiplicador bancário.
Senossosbancosoperassemcom
alto graude alavancagem,pode-
ria seguir-senaturalmente um
efeitodominó, como contágio
dos demaisbancos.Nadadisto
acontecehoje,aindaqueofluxo
de empréstimosparaas peque-
nas empresasse esgotará mais
rapidamentee se propagarápor
toda a economia. A menorreno-
vaçãode créditoimplicamenor
consumo e mais desemprego.
Pode-seaté gerarumarecessão
maisgeneralizada, mas tudoin-
dicaquetalfenômenonãoseins-
talará.Oque não significadizer
que oBrasilterá crescimentos
significativosnesteano.

Jairo Saddi, pós-doutor pela
Universidadede Oxford, doutor em
Direito Econômico(USP), e professorda
Escola de Direito da FundaçãoGetulio
Vargas-Rioe escreve mensalmente neste
espaço..

evitar umacrisede liquidez. No
contextoatual,porém,as reações
dos atores econômicos podemser
contra-intuitivas. Ao invésderes-
ponder àquedada taxa de juros
comoum estímuloà aquisição de
ativos de risco, investidorestêm
reagido comose a sinalização dos
Bancos Centrais indicasseque o
pior ainda estaria por vir. Eles vêm
optandopor ativos maisseguros
comotítulos do Tesouro america-
no.Orendimento(quesemoveem
sentido oposto ao preço) dos títu-
los de 10 anosrompeuabarreira
do1%pelaprimeiraveznahistória
e chegou a atingir um “satânico”
0,666%nodia6demarço.
Em terceiro lugar, é importante
reconhecer que oimpacto da pan-
demia se traduz não apenas em
um choquede demanda,emvirtu-
de da destruição de riqueza eoris-
co de se engajar em atividades de
consumo, mastambémem um
choque de oferta com aparalisa-
ção de atividades econômicas. Na
China, aprodução industrialcaiu
cerca de 13,5% nos primeiros dois
mesesde 2020 eisso está afetando
cadeiasdevaloragregadoaoredor
do mundo. O número de novosca-
sosdecovid-19naChinavemcain-
do rapidamente, mas a expansão
internacionalda doença significa
que a demandaexterna por pro-
dutos chinesesseráafetadanos
próximosmeses.
Nessecontexto,aesperançade
umarecuperaçãorápidada se-

gundamaioreconomiado mun-
dodificilmentesematerializará.
Alémdisso, governos ao redor
do mundo reconhecemque suas
economias terão de ser colocadas
em uma espéciede “coma” tempo-
rário com baseem quarentenas,
restrições a movimento de pessoas
e práticasde distanciamentoso-
cial parafacilitar o controle da
pandemia. Crescetambém aper-
cepção de que oimpacto na eco-
nomia—em particular no setor de
serviçoseentrepequenasemédias
empresas —pode ser devastador.
Em setores com dívidas elevadas, a
reavaliaçãoderiscopodegerarum
efeitodominó de falências e uma
crisegeneralizadadesolvência.
Governos terão de complemen-
tar suas políticas monetárias com
medidas fiscaisexpansionistas pa-
ra minorar os efeitos da crise. Evi-
dentemente tanto a munição das
autoridadesmonetárias quanto o
espaço fiscal de diferentes gover-
nos variam. No caso do Brasil, por
exemplo, ogoverno teráde avaliar
com cuidadoasuspensãodo teto
de gastos já que tal medida pode
ser contraproducente em termos
da credibilidade do comprometi-
mento da administraçãoBolsona-
ro com aconsolidaçãofiscal, mas
necessárianocurtoprazo.
Finalmente,cabe discutiraca-
racterizaçãoda covid-19como
um“cisnenegro”, parausarame-
táforade NassimTaleb.Um“cis-
ne negroӎum eventoque desa-

fia expectativas,porquenão re-
fleteexperiênciaspassadas,eque
podeter um impactodramático.
AOrganizaçãoMundialdaSaúde
e vários comentaristas (por
exemplo,BillGates),porém,jávi-
nhamalertandoqueumapande-
mia poderiacomeçarem qual-
quer lugardo mundocom impli-
caçõessignificativas em termos
de vidashumanas.Em outraspa-
lavras,a covid-19é na realidade
um exemplode “known unk-
nown”episódio, equivalente a
umterremoto.
O verdadeiro “cisne negro”
nessemomentoéoconfrontoen-
tre a Arábia Saudita e a Rússia. Ao
responderaoexcessodeofertade
petróleo com a decisão de expan-
dir asua produção, aArábia Sau-
ditaconfrontaaRússia,quehavia
desafiadoaOpep, egera um cho-
que adicional (com o petróleo
brent sendo atualmente negocia-
doporvoltadeUS$30obarrilem
contraste com US$ 61 por barril
no início do ano). Essa quedanos
preços terá um efeito devastador
paraaindústria de petróleoame-
ricana, que opera em condições
de elevadaalavancagem. Em sín-
tese, os efeitos negativos dessa
“pandemia econômica”estão
apenascomeçando.

CarlosA.PrimoBragaé professor
associadoda FundaçãoDomCabral e
ex-diretor de PolíticaEconômicae Dívida,
BancoMundial.

Cartasde


Leitores


Mercados em tempo de pandemia

Frase do dia


Coronavírus
Como necessário e imprescindí-
vel isolamento das pessoas, em
razãoda atualepidemiada co-
vid-19,que traz imensasdificul-
dadesa todos,temosporéma
esperançade algo bom.Passada
essa fase, que deverá ser longae
sofrida,novasrealidades positi-
vas poderão surgirna gestãoe
economiapúblicas. O aprendi-
zadoobtidocom as atuais expe-
riênciasnesseperíodode qua-
rentena,há de ser bome bastará
que nós pressionemosnossas li-
derançaspara que implemen-
tem tais medidaspositivasque,
nestemomentode crise,estão
atuandoem benefício de toda a
comunidade.
JosédeAnchietaNobre deAlmeida
[email protected]


SeráqueopresidenteJairBol-
sonaro,queachaquepoderesol-
verosgravesproblemasdopaís
pelotwitterevaicontinuardes-
prezandoosefeitosdonovoco-
ronavírus?Oprópriogoverno
acabadeestimarpara2020,um
PIBpífiode0,2%contraaestima-
tivaanteriorde2,1%.
Apandemiajámatoumaisde
10milpessoaspelomundo,com
maisde200milinfectados.Em
nossopaísjácontabilizamos 11
mortes.EmesmoassimBolsona-
rocontinuacriticandoosgover-
nadoresque,felizmente,estão
tomandodecisõessensatas,de
suspenderatividadesproduti-
vas,culturais,deeducação,etc.
Essesgovernadoresrespeitamos
infectologistaseespecialistasda
áreadesaúde.Assimcomonos
paísesdesenvolvidosseuslíderes
políticosrespeitamtambém.
Queessegoverno,semprelerdo
ebelicoso,caminhedemãosda-
dascomoCongresso,queacaba
deaprovaremtemporecordeoes-
tadodecalamidadepública.E
comaliberdadequeteráapartir
deagora,paraaumentarodéficit
públicodesteano,tomedecisões
adultasparaminimizarodesem-
prego,quesomentenocomércioé
estimadoemtornode5milhões
dedemissões.Etambémnãodiga
queosR$200quedaráaostraba-
lhadoresinformaisrepresentava-
lordeduascestasbásicas.Uma
minimamentedignacestabásica
paraumafamíliade4pessoasnão
morrerdefomenãosaipormenos
deR$400.Opovonãoéidiota.
PauloPanossian
[email protected]

China
AChinatemsidoaorigemdevá-
riaspandemiasnasúltimasduas
décadas,deSARsaoCoronavírus.
ÉmuitointeressanteveraChina
criarumincidentediplomático
comoBrasilemcimadefatosque
jáestãobemestabelecidos.Oco-
ver-upchinêsestácustandoao
planetamilharesdevidas,desem-
pregoetrilhõesdedólaresempre-
juízos.Estánahoradecobrarmos
daChinaumcomportamentores-
ponsávelequeaChinaassumaos
seuserros.OBrasilnãoprecisape-
dirdesculpasàChina.EaChina
quetempedirdesculpasaoBrasil
eatodosospaísesquehojesofrem
pelaincompetênciachinesa.
Raul Gouvea

No contexto atual as


reaçõesdos atores


econômicospodemser


contra-intuitivas. Em vez


de responder à queda dos


juros comoum estímulo à


aquisição de ativos de


risco,investidores


reagem comose a


sinalizaçãodos BCs


indicasse que o pior


ainda estaria por vir


Opinião


Correspondênciaspara
Av. 9 de Julho,5229 - Jardim
Paulista- CEP01407-907 - São
Paulo - SP, ou para
[email protected],comnome,
endereço e telefone. Os textos
poderãoser editados.

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