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Quando disse a Sua Excelência que provavelmente teríamos de ficar sozinhos mais
dois ou três dias na aldeia depois da matança do porco até à chegada do pneu novo para
o carro ela levantou-se de súbito do banco a fitar-me no ódio com que a tropa, era eu
pequeno, nos invadiu o quimbo a gritar, a disparar, a atear fogo, a matar-nos, isto é não
bem pessoas, formas só bocas e olhos berrando, dando ordens, insultando, pisando,
jogando granadas ofensivas às palhotas, destruindo tudo, Sua Excelência
- Que merda
apesar da presença do meu pai na cozinha, a minha mãe a descansar no quarto, a
minha irmã sentada numa pedra do quintal sem olhar para nós, por favor fala comigo
mana, Sua Excelência - Dois dias nesta espelunca nem penses
e as feições do meu pai a descerem um bocadinho, gostava da aldeia aquele, o meu
avô levava-o em criança às perdizes, subiam rente à parede do cemitério e agachavam-
se numa moita de estevas com a cadela a respirar de língua de fora, Sua Excelência - Não sonhes que fico aqui
enquanto a noite se transformava devagarinho em manhã e um primeiro sol, verde
claro, nas copas, o meu avô de boné como o meu pai e cigarro apagado no queixo - Está quase
ambos os bonés à medida de um adulto ou seja aquele que eu usava, de pala
quebrada a cair-me pelas orelhas abaixo, oxalá Sua Excelência a correr entre os quimbos
dando ordens às panelas da cozinha não os matem aos dois, uma brisa movia-se pelas
ervas junto à terra, uma nora distante, os pinheiros de vez em quando um estalo, o meu
pai já de galões de alferes embora criança e um casaco de malha antigo, da mãe dele,
com as mangas enroladas - Não ouve?
e de fato sons miúdos num buxo, atrito de penas, gorgolejos, suspiros, tudo à beira
do silêncio, tudo à beira do nada, a cabeça de uma perdiz entre dois caules, ora para a
direita ora para a esquerda, desconfiada, atenta, os dedos do meu avô a apertarem o
pulso do meu pai ordenando - Calado
e Sua Excelência de imediato a perguntar-lhe, severa - Está a falar comigo?
num tom que fez desaparecer o bicho, o meu avô incomodado com ela - Quem é essa?
o meu pai que não a conhecia ainda, era criança - Sei lá
à medida que um cano de caçadeira, não uma gê três, principiava a alongar-se sem
pressa a partir do ombro do meu avô, uma segunda perdiz junto ao sítio da primeira,
um bando de rolas bravas a cruzar a aldeia lá em baixo, que pena o tempo das cegonhas
já haver acabado, tudo flutua aqui, o indicador do meu avô a quem faltava a unha de
um acidente em pequeno, não porque um soldado a houvesse cortado, aproximou-se
do gatilho retirando-lhe a folga, o meu pai com vontade de tapar os ouvidos, a cadela a