muito mais sulcos do que antes nas bochechas e nas pálpebras, já tão longe da gente,
sem se interessarem por nada enquanto um soldado, de cócoras, ia falando no rádio, o
alferes que comandava aquilo fumava no unimogue a maldizer-se a si mesmo, o general
que discursou no cais orgulhoso, de pingalim e luvas
- Sinto nos vossos semblantes a alegria de irem servir à Pátria
e na memória do alferes gaivotas, a chuvinha de janeiro, o Tejo quase negro, o
general que ajustava melhor o microfone - Mancebos
portanto tenho pai e mãe mas não moro com eles, desde que me lembro de mim
mesma morando com eles não morava com eles, sempre me achei sozinha, talvez
morasse mais com o meu irmão preto que não morava com ninguém, encostado à
varanda numa esperança de quimbos, de galinhas, de esteiras, atento a uma
metralhadora distante que não parava de cantar, inclusive depois de casado continuou
a morar sem ninguém exceto cabras e cabíris, olhava através da mulher um feiticeiro a
dançar, notava o soba a apontar-lhe a bengala - Abandonaste-nos tu
vestindo-se como os brancos, comendo como os brancos, comportando-se como os
brancos, nenhum de nós fala muito, respondemos mas dá-me ideia que respondemos
como as fotografias respondem, estão ali e é tudo, a do meu avô por exemplo, de boné
e com um cigarro apagado na boca a explicar - Não trago a caçadeira porque não tenho visto perdizes
a seguir os pombos e as rolas com desprezo, sentado num caixote com a cadela aos
pés, foram-se embora para onde, as malvadas, nem uma fêmea ao nascer do dia, nem
um piar que fosse, um homem de três sobrancelhas que se franziam todas ao mesmo
tempo, duas no sítio delas e a terceira, igualzinha, entre o lábio e o nariz, a fazer de
bigode e eu incapaz de apontar qual delas mais severa visto que todas se franzem,
atentas como se qualquer coisa importante estivesse a acontecer do lado de cá do vidro
onde o que acontece apenas é ser tarde demais para o que quer que seja, o porco
amanhã, a prima do jazigo com mais trabalho e pronto, o médico da minha mãe - Uma semana talvez
o retrato de uma tia tirado meses antes de se afogar num poço agora vazio, com terra
e ervas ao fundo que brilhavam entre sombras, descalça, depois de deixar as pantufas
ao lado da bomba, alinhadinhas, compostas como deve ser à beira da cama porque
inverno, porque frio, a prima cujas feições, apesar do sorriso por acaso no gênero do
meu, quer dizer mais cara séria que outra coisa, atravessando as pessoas numa
indiferença rápida, pareciam pingar não sei quê entre desgostos antigos e angústias
secretas, o meu pai a estudar o tapete da sala - Cuidado com as armadilhas tia Sabina
porque se vai um pezinho à viola e fica a sobrar a pantufa do outro enquanto a minha
mãe o desculpava com um gesto - A miséria da guerra
a casa da aldeia de galinheiro vazio, com um poleiro quebrado contra a parede onde
só as aranhas podem pôr ovos, em pequena brincava no largo com a afilhada do dono
da venda, jogando torrões aos pássaro das árvores e procurando ninhos enquanto os