o porco já não tentava libertar-se, esperava, os olhos cor-de-rosa, a pele cor-de-rosa, a
barriga redonda, a mãe de Sua Excelência
- Um preto?
escandalizada comigo porque eu um preto de fato, eu um preto, sabugos cor-de-rosa
de preto, boca cor-de-rosa de preto, o resto negro, negro, o meu pai a tocar-me no
ombro - Escolheste bem a faca rapaz?
a experimentá-las num cartão, a borboleta de metal da minha mãe na lapela, a cara
dela tão cansada, um ou outra pedra a flutuar-lhe em torno, um pelotão a chegar da
mata, exausto, primeiro os guias, depois os batedores, depois o alferes, depois os
outros, o capitão a contá-los - Estão todos?
e embora não respondessem, continuassem a andar, estavam todos no meio das
espirais do cacimbo, no meio do pó, estavam todos, um cabo mecânico curvado para
uma berliê, a acelerar e desacelerar o motor, um camarada mecânico para ele - É esse cilindro aí a biela não responde
e se a biela se avaria na mata estamos feitos, os turras a aproveitarem para disparar
à vontade, um soldado que falava, um segundo a calar-se de súbito e a tombar, o
enfermeiro de joelhos a remexer na bolsa, um cabo - Monta guarda monta guarda
meia dúzia de homens capim dentro e nisto uma antipessoal a explodir, o médico
para o meu pai - Não sei se vale a pena operar o seu atirador vamos experimentar com a medicação
esteve internado quinze dias no hospital com balões a correrem para a veia, na cama
ao lado um sargento que dormia sempre, acordava de longe em longe num suspiro - Ai eu
e ausentava-se de novo, na mesa de cabeceira flores numa jarrita, uma caixinha de
bombons que ninguém comia, um par de espargatas inúteis na borda do colchão, um
rapaz loiro inclinado do travesseiro a olhar em silêncio, a minha mãe a mostrar-me - É meu filho
sem que ninguém lhe respondesse, é impossível quando nos mandam - Tussa
tossir normalmente, inventa-se uma espécie de pigarro que indigna sempre quem
escuta - Não é capaz de melhor que isso?
e não sou, tenho medo, claro que você não é nenhum carrasco, senhor doutor, escusa
de me dizer, mas dá-me receio estar perto de si, a sua cara tão chegada à minha, as suas
feições tão nítidas, a inconcebível quantidade de tralha - Dá-me licença que a acompanhe?
que existe numa cara, olhos, nariz, bochechas, boca, para quê tantas feições Santo
Deus, um buraco e um olho chegavam, a quantidade de coisas inúteis que a gente já viu,
podíamos ser muito mais simples, devíamos ser muito mais simples, não me deixe
morrer, o médico - Que disparate morre agora