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H6 Especial QUARTA-FEIRA, 1 DE ABRIL DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
Renato Vieira
Pouco se sabe sobre Emil Ox-
paur. Nem mesmo buscando
no Google se encontram mui-
tas informações sobre ele ou al-
gum vestígio mais aprofundado
sobre o seu trabalho. Nascido
em Munique, na Alemanha, em
1895, radicou-se no Brasil no fi-
nal dos anos 1910. Após a mu-
dança para São Paulo, tornou-
se empregado da Casa Conra-
do, primeiro ate-
liê de vitrais do
País e que foi fun-
dada por outro
imigrante ale-
mão, Conrado
Sorgenicht, em
- Oxpaur pro-
jetava azulejos e
vitrais para a empresa e se desta-
cou no Salão Paulista de Belas
Artes de 1936, recebendo uma
Medalha de Prata. Pelo que se
sabe, morreu sem herdeiros co-
nhecidos. Mas deixou dese-
nhos e gravuras, alguns presu-
midamente feitos há mais de
cem anos, como soldado duran-
te a Primeira Guerra Mundial.
Quem detém o acervo de Ox-
paur e encampou uma investiga-
ção árdua sobre sua vida foi o
arquiteto Domingos Pascali.
Ele encontrou o material há
mais de 30 anos e pretende fa-
zer uma exposição e um livro
sobre um artista que tem uma
história tão fascinante quanto
desconhecida. As peças já fo-
ram devidamente higienizadas
e catalogadas e alguns museus
se mostraram interessados em
conhecer as obras.
As imagens mais curiosas são
as que retratam soldados no
campo de batalha, mas nenhum
deles está em um combate efeti-
vo. Os desenhos mostram os mi-
litares em um horário de des-
canso, uma pausa em um supos-
to enfrentamen-
to com as tropas
inimigas.
Em alguns de-
les, há a assinatu-
ra de Oxpaur e o
ano em que foi de-
senhada, 1917. O
que Pascali des-
cobriu em sua investigação é
que naquele ano o artista estava
lutando, em um lugar onde não
houve conflito. “Elas mostram
a expectativa de um terror imi-
nente”, conta Pascali.
O arquiteto obteve o acervo
de maneira inusitada. Uma se-
nhora chamada Olga, que era es-
posa de um dos chefes da Casa
Conrado, no fim da vida rece-
beu cuidados dos pais dele, a pe-
dido de amigos em comum. Do-
na Olga morava na parte da fren-
te de uma casa e, atrás, havia
sido o ateliê de Oxpaur. Ele já
havia morrido e o espaço estava
trancado havia um bom tempo.
Aquela senhora deixou uma he-
rança para a família de Pascali e
ele foi morar no local. “Ela vi-
rou minha avó postiça. Eu tinha
16, 17 anos, e ela dizia que, quan-
do eu me casasse, ia morar na
casa. Eu nem pensava em me ca-
sar”, brinca o arquiteto. Mas a
vontade de Dona Olga foi feita.
Quando se casou, Pascali se mu-
dou para o imóvel e encontrou
desenhos, fotos e projetos de vi-
trais e azulejos.
Desde então, o arquiteto pre-
serva o material com muito afin-
co. Ele diz não saber exatamente
por qual motivo Olga convidou
o artista para morar na parte de
trás de sua casa. Além das pintu-
ras feitas na guerra, há outras
mais expressivas, como a que re-
trata pessoas andando de bicicle-
ta. Pascali acredita que esta ver-
tente do trabalho de Oxpaur sur-
giu depois da mudança para o
Brasil, quando a guerra acabou,
e cogita que ele tenha trabalha-
do também com publicidade.
Resistências. Durante a busca
sobre o passado de Emil Ox-
paur, Pascali encontrou o nome
dele em registros do Instituto
Martius-Staden, que fomenta o
intercâmbio cultural entre Bra-
sil e Alemanha, como um dos
artistas que se radicaram no
País. Com a ajuda de amigos e
clientes, o arquiteto organizou
e fez a limpeza do material,
atualmente guardado em local
adequado e protegido.
Apesar de ter passado déca-
das guardado em um ateliê, o
acervo estava em bom estado
quando o arquiteto o encon-
trou. Mesmo com alguns espa-
ços culturais mostrando inte-
resse em expô-lo, ele vem en-
contrando resistências. “Tive
uma verba para pelo menos or-
ganizar e higienizar o que ele
deixou, mas mesmo se eu en-
contrar um espaço para exposi-
ção vou precisar de patrocínio.
Algumas pessoas falaram que o
tema de guerra não era bom e
que ninguém iria financiar”, la-
menta o arquiteto.
Pascali conta que recebeu su-
gestões de doar o material para
algumas instituições de arte na
Alemanha, mas, de acordo com
ele, isso poderia ir contra os
princípios de Oxpaur. “Quero
que o máximo de pessoas veja
essa obra e que ela possa viajar.
Mas ele veio para cá, nunca
mais quis voltar e o desejo dele
era deixar esse trabalho por
aqui”, afirma. Como não tem o
contexto das imagens, ele quer
fazer uma exposição em que o
visitante crie uma história para
cada uma delas. “O mais impor-
tante é que são desenhos vence-
dores”, conceitua.
Arquiteto
preserva desenhos
de um artista
alemão
desconhecido
TRAÇOS
RAROS DA
1ª GUERRA
MUNDIAL
Luiz Carlos Merten
Em apenas dois filmes inter-
pretados por sua mulher, Giu-
lietta Masina, é possível identi-
ficar a evolução, e quem sabe
os limites, de Federico Fellini
como artista. Do neorrealis-
mo tardio de As Noites de Cabí-
ria , de 1957, à extravagância vi-
sual de Julieta dos Espíritos , de
1965, há uma curva dramática
muito interessante. Os dois fil-
mes serão apresentados nesta
quarta, 1.º, pelo Telecine Cult,
às 19h50 e 22h.
Cabíria, a prostituta que já
havia aparecido em Abismo de
um Sonho , de 1952, vira agora
protagonista. É uma persona-
gem típica da Itália miserável
do pós-guerra (e do neorrealis-
mo). Vive à noite, habita um
pardieiro. É abusada pelos ho-
mens, chega ao limite do deses-
pero – “Mata-me, não quero
mais viver” –, mas não perde a
capacidade de sonhar. Bastam
uns músicos de rua para fazê-
la querer viver de novo.
Com Oito e Meio , de 1961,
Fellini voltou-se para o pró-
prio umbigo. Tornou-se seu
personagem preferido. Julie-
ta , o primeiro filme longo do
diretor em cores, chegou a ser
definido como um Oito e Meio
feminino. Enche os olhos,
mas na ficção, como na reali-
dade, o marido é mulherengo.
Giulietta faz dona de casa re-
primida que libera seus dese-
jos por meio dos espíritos.
Um Fellini psicanalítico, jun-
guiano. E, segundo as feminis-
tas, machista.
Sem intervalo
Visuais
Mississipi em Chamas/
Mississippi Burning
(EUA, 1988.) Dir. de Alan Parker, fotogra-
fia de Peter Biziou, com Gene Hackman,
Willem Dafoe, Brad Dourif, Frances Mc-
Dormand, R. Lee Ermey, Michael Rooker.
Luiz Carlos Merten
Dois agentes federais investi-
gam o desaparecimento de
três civis que militavam por
direitos humanos no Sul dos
EUA, nos anos 1960. Basea-
do numa história real, o filme
é considerado um dos melho-
res do diretor Parker, mas
provocou polêmica por trans-
formar em heróis os agentes
que não teriam sido tão ínte-
gros como mostra a ficção.
TEL. CULT, 13H35. COL., 128 MIN.
Acervo.
Domingo
Pascali e as
obras do
alemão:
além das
pinturas de
guerra, há
outras mais
expressivas
Dois filmes
que revelam
a evolução
de Fellini
Vale a experiência
Um filme de 2015, mas uma his-
tória gostosa de acompanhar.
Em Um Senhor Estagiário , dispo-
nível na Netflix, Anne Hathaway
é Jules Ostin, uma jovem empre-
sária, criadora de um site de ven-
da de roupas. O empreendimen-
to é um sucesso, com vários fun-
cionários sob seu comando, mas
com enorme responsabilidade,
ela tem uma vida estressante.
Eis que sua empresa começa
um projeto social de inclusão de
pessoas idosas e surge em seu
caminho o viúvo Ben Whittaker
(Robert De Niro). O homem, nos
seus 70 anos, logo sente o dis-
tanciamento dos colegas mais
jovens, mas logo irá conquistar a
todos, inclusive Jules, que terá
um outro olhar para ele. A dire-
ção é de Nancy Meyers.
Superar isolamento
No programa Opinião Nacional
desta quarta, 1º, a discussão se-
rá sobre o impacto psicológico e
social da pandemia de coronaví-
rus. Não é nada fácil ficar longe
das pessoas, principalmente de
parentes, o que pode levar a pro-
blemas de saúde mental, por
isso precisamos saber superar a
solidão, ou conseguir conviver
com ela, não permitindo que o
medo nos domine. O debate da
noite conta com a participação
do médico psiquiatra Daniel Mar-
tins de Barros e da antropóloga
Denise Pimenta. Apresentada
por Andresa Boni, atração vai ao
ar às 22h15, na TV Cultura.
Levanta do sofá
Difícil alguém que não conheça
algo do grupo sueco ABBA, que
dominou as pistas de dança do
mundo com suas canções, como
Dancing Queen e Mamma Mia.
Formado por Ulvaeus, Benny
Andersson, Agnetha Faltskog e
Anni-Frid Lyngstado, quarteto é
tema de documentário, que está
disponível na plataforma Bis
Play. Filme faz um registro da
banda, com entrevistas, além de
apresentações musicais históri-
cas e raras.
Mente humana
Começa a ser exibida nesta quar-
ta, 1º, depois do Jornal da Globo ,
a terceira temporada de Percep-
tion – Truques da Mente , que
acompanha o talentoso e excên-
trico neurocientista Daniel Pier-
ce (Eric MacCormac).
DESTAQUE
ORION PICTURES
O Homem
Que Copiava
Non (Brasil, 2003.) Dir. e roteiro de Jorge
Furtado, com Lázaro Ramos, Leandra
Leal, Luana Piovani, Pedro Cardoso, Júlio
Andrade, Paulo José.
Operador de fotocópias que preci-
sa de dinheiro para impressionar a
vizinha resolve fabricar notas fal-
sas. As melhores qualidades do
cinema de Furtado – diálogo preci-
so, direção econômica, elenco bri-
lhante. E as surpresas não param.
Diversão inteligente.
C. BRASIL, 15H35. COL., 123 MIN.
Filmes na TV
Sai de Baixo:
O Filme
(Brasil, 2019.) Dir. de Chris D’Amato, com
Miguel Falabella, Tom Cavalcante, Marisa
Orth, Aracy Balabanian, Cacau Protásio.
A família caiu no descenso social.
Caco Antibes sai da cadeia e arran-
ja novo trambique. Lembram do
bordão – “Cala a Boca, Magda”?
Em tempos de e empoderamento,
ela se rebela. É a contribuição da
diretora Chris D’Amato, e não po-
de ser subestimada. Cacau rouba
a cena, e quando não é assim?
GLOBO, 23H16. COLORIDO, 83 MIN.
FOTOS TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO
IMAGENS MAIS
CURIOSAS RETRATAM
SOLDADOS EM
CAMPO DE BATALHA