o conteúdo. Além disso, envolve conhecimento e aprendizagem, podendo ser
transmitida pela tradição ou por um especialista.
Paul Zumthor define a ação performática como o momento em que contador
e plateia se permitem experimentar e estão abertos à transformação, sendo cada uma
diferente da outra. Pelo caráter de experiência, a performance é efêmera e
irrepetível.
Confrontar os próprios erros e compreender sentimentos são efeitos
causados pela contação de histórias nos ouvintes, pois essa escuta envolve a
tentativa de se colocar no lugar do outro, entender distintos pontos de vista. Ouvir
histórias implica em identificar, refletir, supor e conceber o outro, mesmo tão
diferente de mim, abrindo possibilidades para a empatia. Uma vez, narrando “A
mulher do pescador” recebi uma pergunta ao final da sessão, de um menino. Ele
provavelmente ficou remoendo essa questão durante toda a história, que trata de um
homem bondoso e sua esposa gananciosa e autoritária. Em formato de repetição, o
conto revela um marido obediente às ordens mais absurdas, mesmo sentindo
vergonha e constrangimento, e ouvindo desaforos da mulher. A turma estava indo
embora, o menino saiu da fila, veio correndo na minha direção e parou ofegante
para indicar a solução: “Por que o pescador não deixou essa mulher?”
A arte proporciona a construção do ser humano como sujeito e, assim, a
oportunidade de se enxergar na relação com o outro. A contação de histórias, em
particular, motiva a retomada do significado da coletividade, da convivência em
comunidade. Essa vivência ocorre porque contador e plateia permitem que aquela
experiência tome suas mentes, almas e corpos. Mesmo após o fim da performance ,
as marcas das histórias ficam nos ouvintes.
Em geral, os contos populares tratam de iniciação, busca pela identidade e
autoconhecimento. Para “Linhas e Tramas” acabei selecionando histórias de
pessoas comuns, possíveis, e que por causa disso provocam reconhecimento
imediato nos ouvintes. Os incidentes ocorridos com Fátima, a perda do brocado
pela mãe, o desespero de Khaim e o desdém voltado ao alfaiate, são obstáculos
frequentes encontrados por muitas pessoas em qualquer lugar, em qualquer tempo.
Eles também representam a vulnerabilidade e fragilidade humanas.