O Estado de São Paulo (2020-04-04)

(Antfer) #1

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H2 Especial SÁBADO, 4 DE ABRIL DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


1 livro por semana*


l]
MARIA FERNANDA RODRIGUES ESCREVE AOS SÁBADOS

A


lice é uma professora aposen-
tada, viúva de um desapareci-
do político, que se vê obriga-
da a abrir mão de sua vida em João
Pessoa e se mudar para Porto Alegre
para ajudar a filha – que, só assim,
poderia realizar o sonho de ser mãe
sem prejudicar sua carreira. Na opi-
nião da mulher, sua mãe não tinha
mais nada a perder.
Alice é protagonista de Quarenta
Dias , romance lançado por Maria Va-
léria Rezende, em 2014, que ganhou

dois dos mais importantes prêmios bra-
sileiros, o Jabuti de Livro do Ano e o São
Paulo de Literatura, além do cubano Ca-
sa de Las Americas.
Freira missionária desde os 24 anos,
a santista Maria Valéria, então com 72,
já era dona de uma carreira literária res-
peitada, com obras como O Voo da Gua-
rá Vermelha , mas com Quarenta Dias
seu nome ganhou outra dimensão – e,
com ele, vozes silenciadas na literatura
e na vida, personagens caros à autora
que, para escrever este romance, che-

gou a vagar pelas ruas de Porto Alegre e
dormiu em rodoviária e aeroporto para
saber se sua trama era plausível.
Quando Alice chega à nova e desco-
nhecida cidade, algo acontece e ela se
vê só. E surta. Aos 60 e poucos, ela sai

caminhando com um caderninho pela
cidade com a desculpa de procurar o
filho da manicure de sua amiga que foi
trabalhar em construção lá e nunca
mais deu notícia. Segue as pistas que
vão lhe dando, dorme em rodoviária,
hospital, ao relento vez ou outra. Não
tem vontade de voltar para a casa cujo
endereço se esqueceu. Acostuma-se
com a mendicância. Acompanhamos
seus “40 dias no deserto”, como escre-
ve a certa altura, e a ressurreição se dá
por meio do diário que inicia para en-
tender como foi capaz de fazer algo tão
radical, e que é o livro que lemos – obra
de alguém que acredita que sua litera-
tura pode mostrar aos outros o que
eles não conseguem ver por si só.

SONIA RACY


QUARENTA
DIAS
Autora: Maria
Valéria Rezende
Editora:
Alfaguara
(248 págs.;
R$ 37,90;
R$ 24,90
o e-book)

DIRETO DA FONTE


‘A DESINFORMAÇÃO PODE MATAR’


CORONAVÍRUS

Patricia Blanco , presidente
do Instituto Palavra Aberta


  • entidade que promove a
    liberdade de expressão –
    defende o EducaMídia, pro-
    jeto lançado em 2019 para
    formar cidadãos, como for-
    ma de ajudar nesses tempos
    de pandemia. “A covid-19
    atacou em tempos de enor-
    me abundância de informa-
    ção. E veio acompanhada
    do fenômeno da desinfor-
    mação. São boatos, menti-
    ras, notícias desatualizadas
    e fora de contexto que se
    espalham pelas redes numa
    velocidade maior e com po-
    tencial ainda mais letal do
    que o próprio coronavírus”,
    ressalta Blanco, em conver-
    sa com a coluna. “Neste ce-
    nário, a informação de quali-
    dade é a melhor vacina. A
    desinformação pode ma-
    tar.” Aqui vão os melhores
    momentos da entrevista


lNo meio de tanto conteúdo,
como identificar o que real-
mente procede, que é informa-
ção de qualidade?
Foi pensando nisso que o
EducaMídia, programa de
educação midiática do Insti-
tuto Palavra Aberta, criou
alguns materiais com dicas
como: procure fontes con-
fiáveis, cheque em outros
canais, siga órgãos governa-
mentais e organismos inter-
nacionais, leia vários veícu-

los de comunicação e princi-
palmente, na dúvida, não com-
partilhe. A OMS chegou a cu-
nhar a expressão infodemia
para chamar a atenção da
abundância de informação,
algumas precisas, outras não.

lPor que a OMS “perde tempo”
em monitorar as informações so-
bre o vírus, além de fazer o traba-
lho central de orientar as políti-
cas públicas na área de saúde?
Porque informação — ou me-
lhor, desinformação — pode
prejudicar tanto quanto a
doença. E até matar. No Irã,
dezenas de pessoas morreram
após beber álcool adulterado,
acreditando em um boato que
circulou nas redes sociais di-
zendo que a bebida ajudaria
na cura do novo coronavírus.

lIsso acontece no Brasil?
Exemplos menos dramáticos,
mas ainda assim prejudiciais,
têm aparecido quase diaria-
mente. Em geral, surgem co-
mo mensagens anônimas com-
partilhadas à exaustão em gru-
pos de WhatsApp (atribuindo
a cura da doença a ingredien-
tes triviais como o vinagre,
por exemplo). Mas a desinfor-
mação também está na boca
de pessoas públicas que, sem
quaisquer evidências, dissemi-
nam teorias da conspiração,
como a de que a pandemia é
um plano mirabolante do go-
verno chinês para minar a eco-

nomia dos demais países, der-
rubar as bolsas de valores e,
então, comprar ações e con-
quistar o mundo.

lO que fazer?
Em situações críticas como a
que vivemos, torna-se ainda
mais urgente garimpar informa-
ções apuradas com cuidado,
baseadas em dados científicos
e que se escoram em fontes
qualificadas — premissas do
bom jornalismo, que podem e
devem ser adotadas por todos
nós quando atuamos nas redes
sociais. Quando a desinforma-
ção mata, informação de quali-
dade também é vacina.

lComo o EducaMídia pode aju-
dar as pessoas a separar o que é
falso e verdadeiro?
Nosso objetivo é formar pro-
fessores para que eles possam
levar às crianças e jovens o
aprendizado da leitura crítica
da informação. Nosso progra-
ma cuida de três eixos: a leitu-
ra critica, o escrever conscien-
te e o participar, para mim o
mais importante. Queremos
ensinar como participar desse
ambiente informacional de for-
ma ética e responsável. É não
propagar informações antes de
verificar se são verdadeiras e
também não disseminar discur-
so de ódio.

lQual a forma de fazer isso?
Uma delas é explicar o papel

da imprensa e dos jornalis-
tas. O EducaMídia ensina a
criança a identificar o que é
matéria, o que é reportagem,
o que é artigo de opinião.
Assim, ela adquire visão críti-
ca dos veículos de comunica-
ção, aí incluídas as redes so-
ciais. Mostramos que os veí-
culos de comunicação, dife-
rentemente do que acontece
nas redes sociais, têm ende-
reço físico, são responsáveis
pelo que publicam. Explica-
mos também que jornalistas
têm um papel essencial na
obtenção e elaboração de
informações confiáveis.

lO curso cobre todo Brasil?
Conseguimos incluir a edu-

cação midiática na Base Na-
cional Comum Curricular
do Ensino Fundamental 2.
Hoje há cinco matérias rela-
cionadas ao tema nos currí-
culos das escolas públicas e
privadas. No entanto, cons-
tatamos que não havia pro-
fessores capacitados para
oferecer essa nova aborda-
gem. Daí começamos a
criar conteúdos e cursos de
formação dirigidos a profes-
sores das redes pública e
privada. O EducaMídia é
um grande portal que reú-
ne informações e ferramen-
tas para que os professores
possam levar educação mi-
diática para a sala de aula.
Temos cursos online, mate-

rial didático e aulas presen-
ciais para que possam ensi-
nar alunos a discernir o que
é informação verdadeira, a
valorizar trabalho dos profis-
sionais de imprensa num
momento em que vivemos
num ambiente de desinfor-
mação preocupante.

lEm quais estados vocês fa-
zem cobertura?
São Paulo já tem no currícu-
lo de suas escolas a educa-
ção midiática, o Distrito Fe-
deral também. Estamos em
contato com várias secreta-
rias de educação estaduais e
municipais para levar o pro-
grama para as suas escolas.

lQuem financia o projeto?
Além das organizações fun-
dadoras do Palavra Aberta,
apoiadores e associados,
conseguimos financiamento
do braço filantrópico do
Google, o Google.org. Nos-
so objetivo é envolver toda
a sociedade para tornar o
programa perene. Não com-
partilhar conteúdo falso,
boatos os teorias da conspi-
ração. O principal agente
que pode ajudar a combater
a desinformação é o cida-
dão. Cabe a nós, adotarmos
uma atitude responsável e
brecarmos a onda de desin-
formação. Neste caso, como
na pandemia atual, somos
agentes importantes para
que o vírus das fakenews
não causem ainda mais da-
mos a sociedade.

Colaboração
Cecília Ramos [email protected]
Marcela Paes [email protected]
Sofia Patsch [email protected]

lO Instituto Brasil-Israel lan-
çou série no Youtube para dis-
cutir religião em tempos de co-
ronavírus. O primeiro entrevis-
tado foi o pastor Henrique Viei-
ra. Na sequência, vem o rabino
Ruben Sternschein e depois, o
pai de santo Rodney de
Oxóssi.

lA São Paulo Companhia de
Dança anuncia a programação
da ação virtual #SPCDDigital
dos dias 6 a 17 de abril. Serão
apresentados aos internautas
diferentes conteúdos gratuitos.
Quais? Espetáculos, palestras,
entrevistas e demais materiais
da Cia na integra.

lA Câmara de Comércio Ára-
be-Brasileira fez uma doação de
30 mil máscaras cirúrgicas, 1250
litros de álcool gel e 5700 fro-
nhas hospitalares para o Hospi-
tal Santa Marcelina.

lO restaurante Jamile lança a
campanha Marmita do Bem ,
para ajudar moradores de rua e
pessoas em situação de vulne-
rabilidade. A iniciativa é de
Anuar Tacach, Alberto Hiar e
o chef Henrique Fogaça , que
pretendem distribuir mais de 7
mil marmitas em diversos bair-
ros da capital paulista.

l Caixa deteriorado
Em recuperação judicial (como a Li-
vraria Cultura), a Saraiva divulgou
seus números de fevereiro (a compa-
ração é sempre com fevereiro de
2019): arrecadação (R$ 47 milhões)
30,4% menor; queda de 13% no fatura-
mento das lojas físicas (desde outu-
bro, ela fechou 32) e de 56,1% no e-
commerce; e prejuízo líquido de R$
12,4 milhões. A situação – não só de-
la – vai se agravar ainda mais com o
fechamento das lojas físicas por cau-
sa do coronavírus.

POLAROID
Natureba, Aline Weber está passando
a quarentena no Brasil e criou uma hor-
ta dentro de casa para o período. “Ela é
tanto sustentável quanto atração para
sair menos às ruas e ter em mãos op-
ções com menos agrotóxicos”, explica
a top. A moça já plantou cebola, alho,
pimenta e outros alimentos.

RESPONSABILIDADE
SOCIAL

BABEL

Blog: estadão.com.br/diretodafonte Facebook: facebook.com/SoniaRacyEstadao Instagram: @colunadiretodafonte

De volta 3


Alcolumbre passou boa parte
tempo no celular. Também fez
faxina no seu quarto. O momen-
to mais duro? “Não poder abra-
çar meus filhos por 15 dias. Via
somente pela janela”. O esforço
do confinamento recompen-
sou: a esposa, Liana , e as crian-
ças testaram negativo. Assim co-
mo o motorista e o segurança.

Apesar da cura, o senador segui-
rá recluso o máximo que puder


  • assim como Rodrigo Maia ,
    que só vai à Câmara para vota-
    ções e entrevistas. Ambos têm
    feito a maior parte dos traba-
    lhos por videoconferência.


Frente


Um das primeiras ações da coali-
zão recém formada por institui-
ções negras – a Iniciativa Empre-
sarial pela Igualdade, a Faculda-
de Zumbi dos Palmares, a Empo-
dera e a Gestão Kairós, entre ou-
tras – será realizar levantamen-
to sobre o impacto da Covid-19
entre profissionais e empreen-
dedoras negras.

“O objetivo é pleitear recursos,
linhas de fomento com órgãos
públicos, empresas e institui-
ções para auxiliar nesta crise”,
observa Raphael Vicente, Coor-
denador da Iniciativa Empresa-
rial pela Igualdade Racial.

De volta ao ringue


No mesmo dia que anunciou
estar curado do coronavírus,
Davi Alcolumbre recebeu
na residência oficial do Sena-
do o general Luiz Eduardo -
Ramos , ministro-chefe da
secretaria de governo. Em se-
parado, depois, abriu as por-
tas para Rodrigo Maia. As re-
lações entre o Executivo,
leia-se Bolsonaro , e o Con-
gresso, presidido por Alco-
lumbre, foram para o espaço
enquanto o senador do Ama-
pá estava trancado no quarto
de quarentena e tuitava críti-
cas à postura do presidente
ante a pandemia.

Alcolumbre pretende inten-
sificar conversas neste fim
de semana com intuito de pa-
cificar os ânimos no Congres-
so – inclusive o dele próprio
–, com Bolsonaro.

De volta 2


Empolgado para cair em cam-
po, o senador passou por
maus bocados. Na primeira
semana de coronavírus, teve
fortes dores de cabeça, muito
sono e chegou a vomitar. Ao
ser informado de que havia
manchas em seu pulmão, lem-
brou do colega Nelsinho
Trad na UTI pelo mesmo mo-
tivo. Sarou antes.

ARQUIVO PESSOAL

40 dias no deserto


MICHELL SANTANA
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