MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
que uma liberdade restrita: o usar das coisas com regra,
traz consigo uma espécie de aflição; o não usar de
nenhuma sorte, o que traz é esquecimento. Podemos
fazer hábito de não ter, ou de não amar, porém não o
podemos fazer de amar, ou ter debaixo de algum
preceito: tudo o que recebomos, ou se nos dá com
condição, parece-nos violento: olhamos menos para a
parte, em que a coisa é livre, que para aquela, em que o
não é; a proibição sempre nos deixa suspensos, e como
magoados; porque o nosso desejo não tem atividade
naquilo que é já nosso, mas sim naquilo que o não é, e
que não pode, ou não deve ser; o que se permite não
parece tão bem como o que se nega; o muito que se
concede, não consola do pouco que se proíbe; por isso
o alheio nos agrada, porque nêle achamos uma
negação, ou limite do que é nosso. Vemos com
saudade o tempo, que passou; esperamos o que há de
vir com ânsia, e para o presente olhamos com
desgosto: assim devia ser, porque o tempo, que passou,
já não é nosso; o que há de vir não sabemos se será; e
só o presente, porque é nosso, nos aborrece. O amor
está seguro, enquanto dura a pretensão; o que o perde,
é a propriedade: sustenta-se mais na dúvida, que na
certeza: qualquer coisa, que procure, o anima, e des-
falece, se lhe não falta nada. Isto não é só no amor; em
tudo sucede o mesmo: tôdas as paixões se acabam,
assim que se satisfazem: conseguido o fim de cada
uma, logo ficam sem vigor, e amortecidas: ninguém
espera o que possui, ninguém deseja o que já tem, e
ninguém se desvanece muito daquilo que logra há
muito tempo; e desta sorte o amor, o desejo, a
esperança, e a vaidade acabam-se quando alcançam; e
dêste modo perdemos as coisas tôdas as vêzes que as
chegamos a ter; ou ao menos perdemos o gôsto, que
nos vinha do desejo, do amor,