Le Monde Diplomatique - Brasil - Edição 157 (2020-08)

(Antfer) #1

AGOSTO 2020 Informe Institucional 33


O


Ministério da Educação (MEC) e o Inep divulgaram as novas datas do Enem
2020: 17 e 24 de janeiro de 2021 (prova impressa) e 31 de janeiro e 7 de feve-
reiro (digital). Os resultados serão divulgados a partir de 29 de março.
Mais importante porta de entrada para as universidades públicas e priva-
das no Brasil, o exame foi adiado em resposta à pressão de diversos setores da socie-
dade, entre eles o Congresso, a Defensoria Pública, o Conselho Nacional de Secretá-
rios Estaduais de Educação (Consed), a Associação Brasileira de Avaliação Educacional
(Abave) e movimentos da sociedade civil, como o Todos pela Educação e a Campanha
Nacional pelo Direito à Educação. O principal argumento era tentar reduzir a desi-
gualdade educacional, exacerbada no contexto de isolamento social. As diferentes rea-
lidades socioeconômicas dos candidatos impõem desafios especialmente quanto às
possibilidades de acesso à internet e às condições de estudo em casa.
Segundo levantamento do jornal Folha de S.Paulo (28 maio 2020), realizado com
base no perfil de participantes do Enem 2018, 34% dos estudantes da rede pública que
prestaram a prova naquele ano não tinham acesso à internet. Entre os alunos da rede
privada, a parcela desprovida desse acesso era de apenas 3,7%. O estudo usou os da-
dos mais recentes disponíveis e constatou, ainda, que a desigualdade aumenta quan-
do se observam recortes de renda e raça.
Além do adiamento que contrariou o desejo dos candidatos que participaram de
enquete organizada pelo próprio governo federal e em sua maioria pediam que a
prova fosse em maio de 2021, o MEC e o Inep não têm fornecido orientações e apoio
aos estados sobre como endereçar as necessidades dos alunos que se preparam para
o exame. Os estados já colocaram em prática diferentes soluções de ensino remoto,^1
mas ainda enfrentam dificuldades, sobretudo para os estudantes do último ano do
ensino médio. Do lado do ensino superior, a pasta da Educação tampouco se pronun-
ciou sobre os ajustes necessários nos calendários dos vestibulares e no processo de
admissão de alunos para 2021.
Em posicionamento de 22 de maio, a organização Todos pela Educação defende a
reabertura das inscrições que, por serem feitas on-line, podem ter segregado os estu-
dantes sem acesso à internet. Outro pleito é que a escuta que o governo federal fará
para definir a nova data do Enem abranja gestores públicos, especialistas e os estu-
dantes que não puderam se inscrever e desejam fazê-lo, além daqueles já inscritos.

AVALIAÇÃO E DEMOCRATIZAÇÃO

Criado em 1998, o Enem nasceu com o objetivo de avaliar estudantes do ensino
médio nas escolas públicas e particulares brasileiras. Em 2009, seu resultado come-
çou a valer como critério de ingresso no ensino superior. Articulado desde então com
o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e também conjugado à Lei de Cotas em 2012, o
exame passou a figurar como um dos principais elementos das políticas de democra-
tização do acesso ao ensino superior gratuito.
O Enem é administrado sem custo para os estudantes de baixa renda. Para os pa-
gantes, sua taxa de inscrição é considerada relativamente baixa – R$ 85 para a prova
deste ano. Além disso, o exame é aplicado nacionalmente, minimizando o gasto do
participante com deslocamento. São variáveis que importam muito em um país como
o Brasil, marcado pela desigualdade em várias frentes.
O último informativo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, do IBGE,
evidencia a íntima relação entre pobreza e raça e o direito à educação. Lançado no fim
de 2019, com base em dados do ano anterior, o documento apontou uma taxa de con-

OBSERVATÓRIO DE EDUCAÇÃO: ENSINO MÉDIO E GESTÃO


clusão do ensino médio para a população branca de 76,8% em 2018, enquanto a da
população preta ou parda, embora venha aumentando, foi de 61,8%.
Quando a análise enfocou as pessoas de 18 a 24 anos de idade com menos de 11
anos de estudo e que não frequentavam a escola, revelou uma situação emblemática: os
jovens pretos ou pardos no quinto da população de menor renda domiciliar per capita
encontravam-se na pior condição, com 42,6% fora da escola, ante a 37,4% dos brancos.
O MEC ainda não divulgou dados sobre o perfil dos participantes do Enem 2020
em relação à raça. Em 2019, 59,1% dos candidatos se autodeclararam pardos (46,6%) ou
pretos (12,7%), seguidos por brancos (36%), amarelos (2,3%) e indígenas (0,6%). Dois
por cento não responderam à pergunta.
A falta de condições adequadas de estudo^2 e as estratégias que os negros e pobres
estão adotando para contornar a situação têm sido alvo constante da cobertura da mí-
dia. Em outras pautas, como mostra matéria^3 da página especial sobre a Covid-19 no
site do Instituto Unibanco, o enfoque recai sobre como as escolas estão apoiando os
alunos na preparação para o Enem e dicas de como estudar em tempos de pandemia.
Neste contexto, os estudantes continuam mobilizados. Depois de defenderem o
adiamento, eles agora pressionam para que as aulas preparatórias para a prova sejam
transmitidas por grandes emissoras de televisão. O abaixo-assinado “Queremos au-
las para o Enem nas maiores emissoras de TV Aberta do país!” (disponível no site da
Change Brasil) já conta com mais de 90 mil assinaturas. Sabrina Gonçalves, estudante
que criou a petição, expressa o sentimento de frustração que atinge parte dos estu-
dantes: “Minha maior motivação para criar esse abaixo-assinado é um amigo que
não possui acesso à internet. Quantos jovens estão na mesma situação que ele? Isso
não é justo! Os alunos da rede privada ou com acesso à tecnologia estarão mais capa-
citados para essas provas”.
Além de lançar incertezas sobre o futuro dos 6,1 milhões de inscritos, as indefini-
ções em torno do Enem 2020 por causa da Covid-19 ofuscam a trajetória incipiente de
ampliação do acesso ao ensino superior pela população negra e mais pobre^4 , que de-
pende intrinsecamente da oferta de ensino público no Brasil.
Para o bem de todos os alunos, especialistas têm apontado a necessidade de o
MEC coordenar com as instituições públicas e privadas de ensino superior formas de
garantir que o adiamento do exame não afete o fluxo de ingresso dos alunos no ensi-
no superior no próximo ano.
“Só o MEC pode fazer essa coordenação porque, na distribuição de atribuições da
educação, ao Ministério compete coordenar a política de educação nacional, mas, em
particular, a educação superior”, alertou João Marcelo Borges, do Todos pela Educa-
ção. “Isso é muito importante, senão a gente vai ter alunos que são aprovados no
Enem, mas que não conseguem ingressar no ensino superior. Isso, para as redes pú-
blicas, é ruim; para os alunos, é ruim; e para as universidades e faculdades particula-
res também, porque elas perdem alunos, perdem renda.”

Enem 2020: Covid-19 evidencia desigualdades e reafirma falta de diálogo do MEC


SAIBA MAIS


  • “Igualdade de oportunidades: anali-
    sando o papel das circunstâncias no de-
    sempenho do Enem”, artigo de Erik Fi-
    gueirêdo, professor do Programa de
    Pós-Graduação em Economia (UFPB) e
    outros pesquisadores.
    https://bit.ly/39aYXXj

  • “Enem: limites e possibilidades do
    Exame Nacional do Ensino Médio en-
    quanto indicador de qualidade escolar”,
    tese de doutorado de Rodrigo Travitzki à
    Faculdade de Educação (USP).
    https://bit.ly/2WCjxur


1 Observatório de Educação, “O ensino remoto e as lições à vista”.
2 Felipe Betim, “Governo adia Enem após pressão que trouxe à tona o fosso entre ensino público e
privado”, El País, 20 maio 2020.
3 Observatório da Educação, “Como escolas estão se preparando para o Enem e se adaptando ao
ensino remoto”, 28 maio 2020.
4 Paula Ferreira e Constança Tatsch, “Negros são maioria na universidade pública, mas não nos cursos
concorridos”, O Globo, 20 nov. 2019.

Pessoas de 18 e 24 anos de idade com menos de 11 anos de estudo e que não frequentavam a escola,
segundo os quintos da população em ordem crescente de rendimento mensal domiciliar per capita

Fonte IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua 2018

Branca Preta ou parda

http://www.observatoriodeeducacao.institutounibanco.org.br


17,4%


28,6%


37,4%


42,6%


32,7%


18,2%


22,5%


11,9%


17,8%


7,6%


26,9%


4,3%


Total 1º quinto 2º quinto 3º quinto 4º quinto 5º quinto
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