POR UMA OUTRA GLOBALIZAÇÃO (do pensamento único à consciência universal) Milton Santos

(mariadeathaydes) #1

uma estrita obediência aos mandamentos científicos e técnicos. São essas condições que regem os
processos de plantação, colheita, armazenamento, empacotamento, transportes e comercialização,
levando à introdução, aprofundamento e difusão de processos de racionalização que se contagiam
mutuamente, propondo a instalação de sistemismos, que atravessam o território e a sociedade,
levando, com a racionalização das práticas, a uma certa homogeneização.
Da-se, na realidade, também, uma certa militarização do trabalho, já que o critério do
sucesso é a obediência às regras sugeridas pelas atividades hegemônicas, sem cuja utilização os
agentes recalcitrantes acabam por ser deslocados. Se entendermos o território como um conjunto de
equipamentos, de instituições, práticas e normas, que conjuntamente movem e são movidas pela
sociedade, a agricultura científica, moderna e globalizada acaba por atribuir aos agricultores
modernos a velha condição de servos da gleba. É atender a tais imperativos ou sair.
Nas áreas onde tal fenômeno se verifica, registra-se uma tendência a um duplo
desemprego: o dos agricultores e outros empregados e o dos proprietários; por isso, forma-se no
mundo rural em processo de modernização uma nova massa de emigrantes, que tanto se podem
dirigir às cidades quanto participar da produção de novas frentes pioneiras, dentro do próprio país ou
no estrangeiro, como é o caso dos brasiguaios.
As situações assim criadas são variadas e múltiplas, produzindo uma tipologia de
atividades cujos subtipos dependem das condições fundiárias, técnicas e operacionais preexistentes.
Numa mesma área, ainda que as produções predominantes se assemelhem, a heterogeneidade é de
regra. Há, na verdade, heterogeneidade e complementaridade. Desse modo, pode-se falar na
existência simultânea de continuidades e descontinuidades. É dessa maneira que se enriquece o
papel da vizinhança e, a despeito das diferenças existentes entre os diversos agentes, eles vivem em
comum certas experiências, como, por exemplo, a subordinação ao mercado distante.
Tal experiência é tanto mais sensível porque decorre de uma demanda “externa” de
“racionalidade” e das respectivas dificuldades de oferecer uma resposta. Resta, como conseqüência,
a tomada de consciência da importância de fatores “externos”: um mercado longínquo, até certo ponto
abstrato; uma concorrência de certo modo “invisível”; preços internacionais e nacionais sobre os quais
não há controle local, improvável, também, para outros componentes do cotidiano, igualmente
elaborados de fora, como o valor externo da moeda (câmbio), de que depende o valor interno da
produção, o custo do dinheiro e o peso sobre o produtor dos lucros auferidos por todos os tipos de
intermediação.


A cidade do campo

A agricultura moderna se realiza por meio dos seus belts, spots, áreas, mas a sua
relação com o mundo e com as áreas dinâmicas do país se dá por meio de pontos. É o que explica,
por exemplo, o importante relacionamento existente entre cidades regionais e São Paulo. Nessas
localidades dá-se uma oferta de informação, imediata e próxima, ligada à atividade agrícola e
produzindo uma atividade urbana de fabricação e de serviços que, fruto da produção regional, é
largamente “especializada” e, paralelamente, um outro tipo de atividade urbana ligada ao consumo
das famílias e da administração. A cidade é um pólo indispensável ao comando técnico da produção,
a cuja natureza se adapta, e é um lugar de residência de funcionários da administração pública e das
empresas, mas também de pessoas que trabalham no campo e que, sendo agrícolas, são também

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