documentos em que é máxima a influência e mínima a interferência, de forma que possamos
enxergar os princípios operativos em sua forma mais pura. Se queremos determinar o que o
Krernlin entendia por “democracia” e “direitos humanos”, devemos dar pouca importância às
solenes denúncias do Pravda sobre o racismo nos Estados Unidos e o terror estatal de seus regimes
clientes, e muito menos aos reclamos de suas nobres motivações. Muito mais instrutivo é a
realidade das “democracias populares” no Leste europeu. Essa é uma questão elementar que se
aplica também ao autodesignado “guardião e modelo”. A América Latina é a área de testes óbvia,
especialmente a América Central e o Caribe. Aqui, Washington enfrentou poucos desafios externos
durante quase um século, de modo que os princípios norteadores da sua política, assim como do
atual “Consenso [neoliberal] de Washington”, se revelam de um modo claríssimo quando
examinamos a situação da região e como se chegou a ela.
É de certo interesse o fato de que este tipo de exercício raramente é realizado e, quando
proposto, seja acusado de extremista ou coisa pior. Deixo-o como um “exercício para o leitor”,
apenas chamando a atenção para o fato de que esta história contém lições úteis sobre os princípios
econômicos e políticos do que vem a ser a “onda do futuro”.
A dita “cruzada pela democracia” de Washington foi empreendida com particular fervor
durante os anos Reagan, tendo sido escolhida a América Latina como campo de manobras. Seus
resultados são usualmente apresentados como o principal exemplo de como os Estados Unidos
vieram a se tomar a “inspiração para o triunfo da democracia em nosso tempo”, para citar os
editores de uma das principais publicações teóricas do liberalismo norte-americano.^37 O mais
recente artigo acadêmico sobre a democracia descreve o “renascimento da democracia na América
Latina” como “impressionante”, mas não isento de problemas; os “obstáculos à sua implementação”
ainda são “formidáveis”, mas talvez possam ser superados por meio de uma maior integração com
os Estados Unidos. O autor, Sanford Lakoff, assinala o “histórico Acordo de Livre Comércio da
América do Norte (NAFTA) como um instrumento de democratização potencial. Nessa região de
tradicional influência dos Estados Unidos, escreve, os países marcham em direção à democracia
depois de terem “sobrevivido a intervenções militares” e “perversas guerras civis”.^38
Comecemos examinando de perto os casos mais recentes, casos naturais dada a irresistível
influência norte-americana, bem como aqueles comumente selecionados para ilustrar as conquistas
e compromissos da “missão norte-americana”.
Lakoff sugere que os primeiros “obstáculos à implementação” da democracia são as tentativas
de proteger os “mercados domésticos”, ou seja, de impedir que as empresas estrangeiras
(principalmente norte-americanas) adquiram um controle ainda maior sobre a sociedade. Devemos
entender, portanto, que a democracia é fortaleci da à medida que cresce a transferência das
decisões significativas para as mãos de tiranias privadas não controláveis, a maioria delas sediada
em países estrangeiros. Enquanto isso, a arena pública deve encolher ainda mais, dado que o
Estado é “minimizado”, de acordo com os princípios políticos e econômicos neoliberais triunfantes.
Um estudo do Banco Mundial assinala que a nova ortodoxia representa “um dramático afastamento
de um ideal político pluralista e participativo em favor de um ideal autoritário e tecnocrático”, que
se aproxima bastante dos principais elementos do pensamento liberal e progressista do século 20, e
nessa linha, do modelo leninista; os dois são mais parecidos do que se costuma admitir.^39
Refletindo sobre os antecedentes, obtemos algumas pistas úteis sobre os conceitos de
democracia e mercados, no sentido prático.
mariadeathaydes
(mariadeathaydes)
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