Chomsky_Noam_-_lucro_ou_as_pessoas

(mariadeathaydes) #1

da receita anual de 19 bilhões de dólares da empresa e aumentarão com os novos projetos que vêm
sendo elaborados para a China. Esse é um procedimento operacional típico: os conglomerados
multinacionais geralmente buscam apoio em seus Estados nacionais para serviços essenciais.^99
“Em mercados realmente duros, de riscos elevados e grandes oportunidades”, diz um executivo da
Caterpillar, “precisamos realmente ter alguém nos apoiando no canto do ringue”, e os governos –
especialmente os poderosos – “sempre terão mais influência” que os bancos e maior boa vontade
para oferecer empréstimos a juros baixos, graças à liberalidade do contribuinte desavisado.
O comando deve permanecer nos Estados Unidos, de modo que as pessoas que contam
estarão próximas de nossos segundos no canto do ringue, podendo desfrutar de um estilo de vida
apropriado, diante de uma paisagem mais amena: os barracos onde mora a força de trabalho
estrangeira não atrapalharão a vista. Lucros à parte, essa operação proporciona uma formidável
arma contra os trabalhadores que ousam levantar a cabeça (como ilustra a recente greve) e que
fazem a sua parte pagando pela perda de seus empregos e pelas armas aperfeiçoadas da guerra de
classes. E, mais importante, tudo isso melhora a saúde “da economia da carochinha”, que se apóia
no “aumento da insegurança do trabalhador”, como dizem os especialistas.
No conflito em tomo do AMI, as linhas não poderiam ter sido traçadas com maior firmeza. De
um lado estão as democracias industriais e seus “públicos internos”. Do outro, as “hordas de
vigilantes”, “interesses especiais” e “extremistas marginais” que exigem transparência e controle
público e que ficam aborrecidos quando os parlamentos apenas endossam os acordos secretos da
conexão estatal-privada de poder. As hordas enfrentavam a maior concentração de poder do
mundo, provavelmente de toda a História: os governos dos Estados ricos e poderosos, as
instituições financeiras internacionais e os setores financeiro e industrial concentrados, incluindo
os conglomerados do setor de comunicação. E os elementos populares venceram – apesar dos seus
minúsculos recursos e de uma organização tão limitada que somente a paranóia daqueles que
exigem o poder absoluto pôde perceber o seu resultado nos termos que acabamos de analisar. Esta
é uma conquista extraordinária.
E não foi a única vitória desse gênero naqueles poucos meses. Uma outra foi obtida no
outono de 1997, quando o governo foi obrigado a retirar seu projeto de lei para o Fast Track.
Lembremo-nos de que não era uma questão de “livre comércio”, como se costuma alegar, mas de
democracia: a reivindicação das hordas “de mais transparência e controle público”. O governo
Clinton disse, com justeza, que não se estava propondo nada de novo: apenas a mesma autoridade
que os seus antecessores tiveram para “negociar a portas fechadas” acordos que serão depois
submetidos “ao carimbo dos parlamentos”. Mas os tempos estão mudando. Como admitiu a
imprensa econômica quando o Fast Track se defrontou com uma inesperada oposição pública, os
adversários do antigo regime dispunham de uma “arma definitiva”, a população em geral, que não
estava mais disposta a aceitar o papel de mera espectadora enquanto seus mestres fazem o
trabalho importante. As queixas da imprensa econômica ecoam aquelas dos internacionalistas
liberais da Comissão Trilateral há vinte anos, lamentando os intentos dos “interesses especiais” de
se organizarem e penetrarem na arena política. Suas momices vulgares abalaram os arranjos
civilizados que prevaleciam antes da “crise da democracia”, quando “Truman conseguia governar o
país com a ajuda de um número relativamente pequeno de advogados e banqueiros de Wall Street”,
conforme explicou Samuel Huntington, de Harvard, que depois se tornaria professor de Ciência do
Governo. E agora os “interesses especiais” estão penetrando em câmaras ainda mais sagradas.

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