Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

obtida pela troca de uma parenta ... A prática mais comum é a troca
das filhas por seus respectivos pais em forma de esposas para seus fi-
lhos, ou, em algumas tribos, a troca das irmãs e de outras parentas pe-
los jovens diretamente".' Curr e Lumholtz forneceram testemunhos aná-
logos. Entre os Narrinyeri, diz um outro autor igualmente citado por
Frazer, é considerado humilhante para uma mulher não ser "dada em
troca", e uma esposa adquirida por outro procedimento é colocada em
uma categoria que pouco difere da atribuída a uma prostituta em nossa
sociedade. Por outro lado, é um fato geral, na Austrália, que um homem
não pode esperar obter mulher se não tem uma irmã, uma filha ou
uma afilhada para dar em troca. R. Brough Smyth traça um impressio-
nante quadro da condição, próxima do desespero, a que é reduzido na
sociedade australiana o homem solteiro contra sua vontade. "Um ho-
mem privada de parenta que possa trocar por uma jovem de uma ou-
tra tribo leva uma vida miserável. Não somente tem de prover suas
próprias necessidades e compartilhar do desconforto dos bairros reser-
vados aos celibatários, mas é também ao mesmo tempo objeto de con-
tinuas suspeitas da parte dos homens mais velhos, que podem ter duas
ou três mulheres jovens que vigiar... o incômodo e a insegurança li-
gados a esta espécie de existência fazem dele um triste companheiro, um
amigo irascível e um inimigo terrível. .. "· Com efeito, o celibatário "po-
bre e desesperado", como diz Frazer, que não pode obter uma esposa
pela via normal· da troca, fica reduzido a levar a vida de um fora da lei,
porque suas únicas probabilidades residem no rapto de uma mulher de
seu grupo ou na captura de uma mulher estrangeira. E nos dois casos
o grupo se voltará contra ele, ou por solidariedade com o membro le-
sado ou pelo temor de complicações internacionais. Nos dois casos tam-
bém a questão ansiosamente discutida no conselho dos anciães será a
mesma, a saber, onde encontrar uma mulher para fornecer em troca
daquela que foi raptada ou capturada, para apaziguar o primeiro pos-
suidor? Todas estas observações lembram muito exatamente outras, que
apresentamos a propósito de diferentes sociedades.'


Não somente a análise teórica a que nos entregamos mas também
os fatos reunidos por Frazer mostram a notável coincidência da troca
das esposas e do casamento dos primos cruzados. Como se explica, nes-
sas condições, que a hipótese formulada pela primeira vez por Frazer
não tivesse encontrado imediatamente larga aceitação? Como aconteceu
que sua profunda teoria, explicando o casamento dos primos cruzados
pelo casamento por troca, não tenha sido imediata e definitivamente
aceita, e ainda mais, que pareça hoje em dia abandonada em favor de
outras explicaçôes?' Em nossa opinião, Frazer percebeu claramente a di-
reção na qual convinha enveredar, mas não soube ir até o extremo do



  1. A. ~. Howitt,. On. the Organization of Australian Tribes. Transactions of the
    Royal Soczety 01 VtctOTUZ, 1885, p. 115-116; citado por Frazer, op. cit., vaI. 2 p. 195.

  2. Citado por Frazer, ibid., p. 197-198. '

  3. Cf. capo !II.

  4. Cf. por exemplo os artigos "ousln Marriage" e "Exchange Marriage", por C.
    H. Wedgwood, na Encyclopaedia Britannica. O argumento apresentado por este autor,
    segundo o qual Frazer seria desmentido pelo exemplo das populações do estreito
    de. Torres e da NÇlva Guiné, que trocam as esposas mas proíbem o casamento dos
    prImos cruzados, e fa1so. Porque do fato do casamento dos primos cruzados ser
    ufl? casamento por troca não se segue que todo casamento por troca se realize entre
    prImos cruzados.


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